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Karin Strobel As imagens do outro sobre a cultura surda UNNERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor Lucio JOS~ Botelho Vice-Reitor Arioualdo Bolzan EDITORA DA UFSC Diretor Executive Alcides Buss Conselho Editorial Eunice Sueli Nodari (Presidente) Cornglio Celso de Brasil Carnargo Carmen Siluia Rial Jos6 Rubens Morato Leite Maria Cristina Marino Caluo Nilcka Lernos Pelandrg Regina Carvalho Editora da UFSC Florian6polis 2008 O 2008 Karin Strobel Editora da UFSC Campus Universitario - Trindade Caixa Postal 476 88010-970 - Florian6polis/SC Fones: (48) 372 1-9408, 372 1-9605 e 372 1-9686 F a : (48) 3721-9680 edufsc@editora.ufsc.br www.editora.ufsc.br DiresBo editorial e capa: Paulo Roberto da Silva Revisgo tecnico-editorial: Aldy Verge% Mainguk Editorasgo: Victor Ernrnanuel Carlson Revisgo: Sueli Fernands Ficha Catalografica (Cataloga~io na fonte pela Biblioteca Universitiria da Universidade Federal de Santa Catarina) S9 19i Strobel, Karin As imagens do outro sobre a cultura surda / Karin Strobel. - Florian6polis : Ed. da UFSC, 2008. 118p. : il. lnclui bibliografia. 1. Surdos. 2. Cultura. 3. Surdos - Aspectos. I. Titulo. CDU: 362.42 ISBN 978-85-328-0428-0 "... e naquele instante, observando minha filha surda de tr& anos brincando no jardim com outras crian~as, eu a tomei pela cintura e a sentei no muro. A minha frente, sua bela e pequenina jigura iluminada pela alegria e o ceu h suas costas. Lembro-me bem daquele momento magico e la no jundo do meu cora~do agradeci: - Obrigada, meu Deus, por t6-la enviado para junto de mim!" Resewados todos o s direitos de publicacio total ou parcial pela Editora da UFSC lmpresso no Brasil Capitulo 6. Historia Cultural: novas reflex6es sobre a historia dos surdos ................................................................ -89 Capitulo 7. In (exclus60) dos surdos: pratica inter (cultural)? ......... 95 Capitulo 8. Como podemos compreender e envolver com as peculiaridades da cultura surda? .............................. 109 Nota de reubao Ao ser convidada por Karin para a revisgo de seu texto, ainda preliminar, senti- me lisonjeada! Imagens nostblgicas, que compuseram nossa histbria, ao longo de mais de dez anos de trabalho juntas, povoaram minha mente. Lembrei-me da menina de grandes olhos azuis que, ao ingressar na vida aca- dgmica, no Curso de Pedagogia, buscava romper as barreiras lingiiisticas que o portugugs, sua lingua de fronteira, impunha'entre ela e os conhecimentos tebricos, os quais buscava se apropriar, avidamente. Em seu percurso, compartilhei com Karin o efeito do desconforto babdlico que o portugugs Ihe causava. Sentimentos de estranhamento, bloqueio, impotgncia que a atormentavam, diante de signos atravessados pela cultura da oralidade, em que se viu exilada, desde a infgncia ... Hoje, diante de seu livro, senti-me tentada, de inicio, a exercer o papel de re- visora, substituindo palavras, adequando a pontua~So ao c6modo universo lexical e pros6dico de minha lingua materna, em que constitui minha subjetividade e identidade cultural. No entanto, a medida que ia me apropriando das palavras-imagens que habita- vam o texto de Karin, que narravam a hist6ria de seu povo surdo, de seus percal~os a submissSo da normaliza~do que a sociedade insistiu em lhes imputar, sobretudo em forma de coloniza~So lingiiistica, hesitei. Em meio a imagens de corpos disciplinados, tampouco dbceis, que lutaram heroicamente para manter suas marcas culturais vivas, nSo me permiti exercer a I pretensa superioridade do colonizador que assujeita o outro surdo ao seu mod0 de se conformar a lingua portuguesa. 0 texto estava pronto, babdlico, disperso, plural! Seu pensamento fundado em belissimas imagens da lingua de sinais, tomou emprestadoros significantes do -3 portugugs para se materializar, fazendo fluir a experigncia da contaminaqho inter- cultural; a lingua em que se sentia estrangeira fora hospedada, acolhida em seus modos de dizer visuais ... De tal mod0 que busquei colaborar da forma que me pareceu mais sensata, diante da tarefa que me foi confiada e dos contundentes efeitos de sentido que seu discurso produziu em mim. Nho pude negar-lhe a possibilidade de ser sujeito em sua propria lingua, dissolvendo sua voz no caldo da lingua majoritaria oficial. Premida entre o desejo que sua escritura se apresentasse legivel e a necessidade hist6rica de que as idiossincrasias de sua autoria, fossem preservadas, decidi rom- per o circulo vicioso das prAticas ouvintistas que, de forma incisiva, Karin buscou denunciar. Procurei nho deformar, conformar suas ideias a minha experigncia da lingua, nho apagar as marcas de sua autoria, usurpando mais um dos artefatos do povo surdo que deve ser considerado: seus modos de dizer o portugues. Agrade~o-lhe a oportunidade do exercicio de buscar inverter a logica normali- zadora que marcou sua historia, deixando falar seu portugues surdo que se reveste de palavras-imagens em uma sintaxe propria, regrada, repleto de verdades sobre os modos de produzir sentidos em uma lingua estrangeira. Se a lingua e muito mais que um conjunto de regras organizadas segundo uma logica formal, se ela delimita um territbrio ideologic0 de enunciaqbo, saturado de valores e posicionamentos; se ela se situa na arena de guerras discursivas que cons- titui os sujeitos, sua subjetividade, seu lugar no mundo, nbo poderia faze-la calar em minha norma hospedeira que Karin, tho bravamente, se ocupou em denunciar no mosaic0 lingiiistico e cultural que compde o seu texto. Sueli Fernandes Doutora Linguista UFPR A cultura surda, ao analisarmos a sua historia, vg-se que ela foi marcada por muitos estereotipos, seja atraves da imposiqho da cultura dominante, ou das repre- sentaqdes sociais que narram o povo surdo como seres deficientes. Tem muitos autores que escrevem bonitos livros sobre os surdos, mas eles real- mente conhecem-nos? Sabem sobre a cultura surda? Eles sentiram na propria pele como e ser surdo? De tal mod0 como lamentou o ex-presidente da World Federation of the Deaf - WFD, o surdo sociologo Dr. Yerker Andersson: "[ ...I o conhecimento limitado sobre os surdos que os autores ouuintespossuem quando escrevem acerca da questio da surdez [. . .I7' (LANE, 1992, p. 13). Essa agressho contra a cultura surda pode levar a conflitos das identidades surdas e desvalorizaqbo de suas diferenqas. Entretanto, neste livro, ha narrativas das experigncias vivenciadas dos sujeitos surdos, as suas resistgncias contra essa opressbo cultural, similar de um autgntico povo que luta pels sua cultura, pois 6 atraves dela que os sujeitos asseguram a sua sobrevivgncia e afirmam as suas identidades. Para a comunidade ouvinte que esta mais proxima de povo surdo - os parentes, amigos, interpretes, professores de surdos - para os mesmos, reconhecer a existencia da cultura surda nho 6 facil, porque nos seu pensamento habitual acolhem o con- ceito unitario da cultura e, ao aceitarem a cultura surda, eles tern de mudar as suas visdes usuais para reconhecerem a existgncia de varias culturas, de compreenderem os diferentes espaqos culturais obtidos pelos povos diferentes. Mas nbo se trata somente de reconhecerem a diferenqa cultural do povo surdo, e sim, alem disso, de perceberem a cultura surda atraves do reconhecimento de suas diferentes identidades, suas historias, suas subjetividades, suas linguas, valorizaqbo de suas formas de viver e de se relacionar. ?I Observamos que, atualmente na sociedade brasileira, esti crescendo o , ndmero dos sujeitos ouvintes interessados em aprender a lingua de sinais e alme- jamos que a leitura deste livro ilumine e ajude-os na compreensso e na aceitasdo da cultura surda. 0 livro As imagens do outro sobre a cultura surda de Karin Lilian Strobe1 k uma publica@o muito importante nos Estudos Surdos. E um livro que traz as imagens do outro sobre a culturafaca na comunidade dos surdos, 6 pouco provavel que aprenda fluentemente a American Sign Language17 [:..I, criando os seus proprios valores fundamentais existentes naquela comunidade. A crianea surda corre entcio o risco d e se desenvolver sem qualquer tip0 d e comunica~60 concreta, seja ela falada ou gestual. Consequentemente esta crianea podera desenuolver problemas d e iden- tidade, d e adaptae6o emotional e ate mesmo d e salide mental. Ja teve casos em que muitas familias ouvintes foram pedir opiniSo ao povo surdo e optaram depois em colocar o filho surdo na cultura ouvinte seguindo conselhos de muitos especialistas tambkm ouvintes. 0 anseio de tornar seus filhos surdos "normais" perante a sociedade falou mais alto, pois as familias ouvintes no meio da comunidade surda sentiram-se "estrangeiras", porque 6 um mundo diferente que nSo compreendem e com o qua1 se assustam. Como pronuncia uma surda: Faco parte da comunidade dos surdos sinalizados e sempre fui sincera com as mdes, sempre digo que sou surda profunda e amo a Lingua d e Sinais, sou feliz como Deus m e fez e 1160 pretend0 mudar isso. Mas s6o elas que t&m que decidir o futuro dos seus filhos surdos e n6o eu. EIas sabem que sou contra elas afastarem ofilho da comunidade surda, privando o direito de eles se comunicarem e m Libras, fico muito triste com isso, mas continuo sendo amiga das m6es, sempre rezo por elas para que mudem d e ideia 0s artefatos culturais do povo surdo e que essas criancas, no futuro, possam participar da comunidade surda. (IRENE M . STOCK)18 Fui h comunidade surda e entrevistei muitos sujeitos surdos, alguns com familia de todos os membros surdos e outros, na maioria, com familia de todos os membros ouvintes, com a finalidade de abranger quais diferensas culturais entre eles. Na maioria dos casos, com familias ouvintes, o problema encontrado para esses sujeitos surdos 6 a carencia de dialogo, entendimento e da falta de nosdo do que 4 a cultura surda. Cito exemplo abaixo: Em muitas ocasides eu ndo entendia o que falauam ao redor da mesa durante as refeicdes ou durante as novelas na televisdo e muita vez implorava 6s pessoas pela pouca atengdo e explica~do sobre tudo. Em familias ouvintes, as criansas surd? observam as conversas e discussdes que ndo sSo direcionadas a elas. Igualmente, Le6 Jacobs descreve na autobiografia, detalhadamente, o sentimento cometido neste isolamento das criansas surdas com famflias ouvintes, dentro da propria casa, devido as barreiras de comunica@io: Voc& fica fora da conversa 21 mesa d o jantar. E o que se chama d e isola- mento mental. Enquanto todos os outros falam e riem, voc& se mantern t6o distante quanto u m brabe solitario n u m desert0 que se estende para o horizon te por todos os lados. [. . .] S e n te-se ansiosa por u m contato. Sufoca por dentro, mas n6o pode transmitir esse sentimento horrivel a ninguem. N6o sabe como faze-lo. Tem a impress60 d e que ninguem compreende nem se importa. [...I N6o Ihe e concedida sequer a ilus6o d e participae60. 1. ..] (SACKS, 1989, p. 136) 0 que encaixa bem tambem estes anseios destas criansas surdas 4 o que a autora surda, Laboritt (1994, p. 59), explica: 0 s adultos ouvintes que privam seus filhos da lingua d e sinais nunca compreender60 o que se passa na c a b e ~ a d e uma crianca surda. H6 a solidiio, e a resistencia, a sede d e se comunicar e algumas vezes, o odio. A exclus6o da familia, da casa onde todos falam sem se preocupar com vote. Porque e precis0 sempre pedir, puxar alguem pela manga ou pelo vestido para saber, u m pouco, u m pouquinho, daquilo que se passa e m sua volta. Caso contrario, a vida 4 u m filme mudo, sem legendas. l7 Lingua de Sinais Americana - ASL A ~ r a d e ~ o a Irene M. Stock pela contribui@o de sua narrativa como exemplo para estp livro. As imagens d o outro sobre a cultura surda 0 s artefatos culturais do povo surdo Salvo alguns casos, quando tem dialogos e bom vinculo entre eles, isto ocorre porque um ou outro membro ouvinte de famllia do filho surdo resolveu se informar e aprofundar a respeito da cultura surda, procurando se comunicar e passar todas as informaqbes para a crianqa surda em urna relaqgo de dialogo, onde existe urna efetiva troca de saberes e da aceitaqgo de identidade surda. Nas outras famllias com todos os membros surdos, dos av6s ate os filhos, pas- sando por tios, tias, primos, e outros e assim eles passam pelo process0 natural de transmissgo da cultura surda. Nestas famllias surdas, as crianqas surdas tGm informaqbes que as ajudam a compreenderem os artefatos culturais existentes nos povos surdos, tambem pode ocorrer que nas famllias surdas tenham um ou mais membros ouvintes, vejamos o exemplo em um trecho de urna reportagem sobre urna famllia toda surda com um membro ouvinte: I...] Sueli Ramalho Segala, 43 anos. Surda, ela ndo sofreu com o preconceito' na gravidez. Seus conflitos comegaram quando Felipe nasceu. Toda sua familia 6 surda e ele foi o primeiro ouvinte depois de tr& geragbes. Apesar de o poi ndo ser deficiente, durante o pre-natal o mddico afirmou que a chance de o beb& nascer surdo era de 95%. "Foi uma surpresa quando percebemos que ele escutava. Perguntei h minha mde corno eu cuidaria dele", conta. Quando o garoto fez 2 anos, o casal se separou. Sueli e Felipe foram morar com os pais e o irmdo dela. Assim, o menino cresceu em meio a Lingua Brasileira de Sinais e a cultura surda. 'W primeira palavra que falou foi em sinais: mamadeira. Em portugub falado, ele chamou o pai. Compreendeu desde pequeno corno era a nossa comunicagdo." I...] Felipe faz bicos corno intdrprete da Libras, unindo dois mundos com linguas e cultura diferentes. (PERRI, acesso em: 29 jan. 2008)19 Nas famllias surdas, os membros surdos tern comportamentos pr6prios deles, por exemplo, 6 habitual assistirem televisfio no volume mudo para ngo incomodar os vizinhos, todos usam lingua de sinais corno a lingua priorithia do lar, lavam louqas e fazem movimentos inesperadamente com barulho alto sem perceberem. Deste modo, explicam os autores americanos Lane, Hoffmeister e Bahan (1996), que durante as refeiqbes de urna famllia com todos os membros surdos, a crianqa surda esta '9 Fonte: http://sentidos. uol. com. brlcanaisimateria. asp?codpag=100&codtipo=1O&subcat=103&canal=revista. I incluida nas conversas em lingua de sinais desde o inicio e quando chegam visitas amigos surdos e ou ouvintes, as conversas continuam sendo conduzidas em lingua de sinais e assim a crianqa surda visualizam, recebem informaqbes, categorizam, guardam e d5o sentidos a isto. H6 uns quinze anos atras eu fui corn urna arniga surda em Sdo Paulo e ficamos em casa de outra amiga surda paulista que tem farnilia corn todos os membros surdos. Nos tr&s na epoca, durante madrugada ficamos conversando em lingua de sinais dando enfase aos diversos assuntos no nivel do interesse de nos corno mogas. Conosco estaua um dos membros dessa familia, a irmtizinha rnenor surda de 7 anos, que n6o participava nas nossas conversas, mas que observava-nos. Nos a mand6vamos ir dormir porque era assunto de adultos. Recentemente encontrei esta "irmhinha menor" j6 adulta, urna acadgmica, otirna profissional e inteligente, ela comentou que se lembra dos assuntos que conversamos naquela noite. Isto reforp o que os autores Lane, Hoffmeister e Bahan colocam: 0 ambiente visual e a lingua (linguagem), o enriquecimento das interagbes e estas pequenas acomodacdes, tudo resulta num grande gasto para o desen- volvimento da crianga surda. As maiorias das criancas surdas de pais surdos funcionam melhor do que criangas surdas de pais ouvintes nas areas mad&- micas, sociais e lingiiisticas. Criangas surdas depais surdos desenvolvem um sentido de identidade que d forte e auto-govemada. (1996, p. 27) Muitas vezes nestas familias podem ocorrer que as crianqas surdas n5o se acham diferentes do restodo mundo, elas crGem que os sujeitos ouvintes e que sfio "estranhos", "esquisitos" ou "diferentes" deles, apresento abaixo exemplos de diferentes situaqbes: "Um papagaio fazia parte da familia, euficava intrigada e imaginando por que todos falavam mais com o papagaio do que comigo, neste period0 comecaram as duuidas e mais duvidas, sem imaginar que eu podia ser diferente, ndo me lembro se sabia os nomes das pessoas, demorei muito para entender que eu, as pessoas, as coisas tinham nomes." ( V I L W A , 2001, p. 12) 0 surdo americano Sam Supalla, que tem varias geraqbes de familia de surdos, descreve sua experiencia sobre a amizade de infiincia com urna menina ouvinte de sua idade: As imagens do outro sobre a cultura surda 0 s artefatos culturais do povo surdo I...] Apos alguns encontros tentativos, eles tornaram-se amigos. Ela era urna companheira satisfatoria, portm havia o problema de sua "estranhe- I za". Ele ndo conseguia falar com ela da maneira que conseguia falar com seus irmdo mais velhos e com seus pais. Ela parecia ter urna dificuldade extrema de compreender mesmo os gestos mais simples ou mais rudes. I...] Um dia, Sam lembra-se vivamente, que ele finalmente entendeu que a sua amiga era de fato estranha. Eles estauam brincando na casa dela, quando de repente a mde dela chegou at6 eles e animadamente comeGou a mexer sua propria boca. Como se por magica, a garota pegou urna , casa de boneca e levou-a para um outro local. Sam estava perplex0 e foi para casa perguntar a sua miie sobre exatamente que tip0 de afli~do que a menina da porta ao lado tinha. Sua mde explicou a ele que ela era ouuinte e por razdo disto ela ndo sabia sinalizar; em vez disso, ela e a sua m6e falam, movimentam sum bocas para falarem entre si. Sam entGo perguntou se esta menina e a familia dela era as linicas "daquele jeito". A mde dele explicou que ndo, de fato, quase todas as pessoas eram como i seus uizinhos. Era a sua propria familia que era incomum. Aquele foi um momento memor6vel para Sam. Ele lembra de pensar o quanto estava curiosa a menina da porta ao lado, e se ela era ouuinte, como as pessoas I ouuintes eram curiosas. (PADDEN, HUMPHRlES p. 15-16) I Esta situaMo abaixo e de outra familia com todos 0s membros surdos que moram em S5o Paulo, a filha dep6e a sua experiencia parecida com os demais acima: Em criansa, achaua que o mundo era deficiente, em oposi@o a sua propria casa, onde todos eram normais. Sendo a Libras a sua lingua materna, na rua, ficaua com do das outras criancas, pois elas ndo falavam com as mdos. 0 s pais Ihe diziam: ndo falam com as mdos porque ouvem (apon- tavam para o ouuido), mas Sueli achava (como e comum a crian~as com surdez profunda de nascenca) que ouvido ndo tinha fun~do a ndo ser a I de pendurar o brinco, pois o surdo profundo n60 entende o conceit0 de som, sendo que apenas sente vibra~des. Ensinaua b amigas o alfabeto de sinais, para poderem se entender. Assim aprendeu que todas as coisas t im nome (para os surdos, todas as coisas t&m um sinal, ou nome gestual). (SUELI RAMALHO, 2008)20 Dentro dessas famdias surdas, quando tem bichos domesticados, como cachor- I I ros ou gatos, estes se habituam a entender as ordens dadas em lingua de sinais ou arranjam maneiras para ajudar aos membros surdos. Por exemplo, a minha 20 Fonte: http.//pt wikiped~a. org/wiki/Sueli-Ramalho cachorrinha Asteca, ela sabe que sou surda e quando Id em casa tocam a campainha na porta, ela vem me avisar com um olhar mexendo o rosto, como urna espkcie de linguagem corporal. LA em SBo Paulo tem urna familia de pai surdo, m5e surda e duas filhas moqas surdas, eles possuem um cachorro labrador que entende a comunicaqBo em gestos, quando a moqa surda faz sinal de "passear", o cachorro vibra de alegre indo ate a porta, e assim por diante. Tambbm entende do sinal "fazer xixi", "tomar banho", "comer" e ate mesmo os sinais de nomes de cada membro de familia. 0 s animais criarem vinculo com os sujeitos surdos e t5o corriqueiro para o povo surdo que encontramos muitos casos desse tip0 em muitos lares. Vejamos abaixo um depoimento da psicologa surda sobre o process0 de apren- dizagem do gato dela: Sou surda, psicologa clinica e escolar, moro com meus dois filhos, Bru- no de 24 anos e Anna de 21 anos que sdo ouvintes. Pretendo contar a minha experiincia com o gato branco de olhos azuis, lindo e fofo. A Anna ganhou o Rony, o nome do gato, do namorado em 2005, que veio ao meu apt0 com 45 dias de vida. Como psicologa eu entendo que os ani- mais aprendem por wndicionamento e pensei em urna forma de o Rony iria entender o meu comportamento de pessoa surda pois sei que dentro da cultura surda, tem inlimeros casos de animais corno: cachorro, papagaios e gatos que tem urna comunica~iio visual e forte com os surdos. Entiio, cedo aconteceu que o Rony teria urna comunica@o espec$ca comigo, mas teria de esperar o tempo de aprendizado. Passou-se dois anos e nesses anos real- mente o Rony tem urna comunica~do que diferencia a dos meus doisfilhos ouvintes. Eu trabalho o dia inteiro assim como os meusfilhos e a noite nos encontramos o Rony e ele tenta obter a aten~do de nos trb. Com o Bruno e Anna, Rony mia por trh, a0 lado deles e eles respondem ao chamado e o pega dando-lhe o carinho. Rony quando mia para mim ele sabe que dou aten~do com muitos mimos e carinho, mas aos poucos foi percebendo que se miasse ah-& de mim ou ao lado eu ndo respondia. Rony foi percebendo que precisava ficar na minha frente para responder ao chamado e tentou miar mesmo nafrentesem parar. Mas foipercebendo que niio adiantava miar sem que eu esteja olhando e assim parou de miar se eu niio o olhasse. Aos poucos, Rony foi adquirindo o comportamento como passava por tnjs sem miar, vai na minhafrentesem miar se ndo estiver olhandopara ele. EntCio ele entendeu que seu o olhasse ele miava bem alto e assim ele recebia mimos ,- As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo e carinhos e comecou fazer assim todos os dias e com meusfilhos ele tinha o comportamento diferente, miaua todos os sentidos e sabia que recebia carinho e comigo so miaua quando eu olhmre bem na minhafrente Com o passar do tempo, deuido ao excess0 de trabalho e pouco tempo para ele, I eu comecei a ignora-lo e ele comecou a todo custo encontrar uma maneira para que eu o olhasse, entdo aos poucos comecou a me chamar com patas e miar. E eu me derreto diante do comportamento dele e dou mimos e carinhos. Essa qeri&ncia eu sempre conto para todos, pois k um tipo de comunicaedo especial que se desenvolue quondo existe uma interacdo entre pessoo e animal atraub de contatos, comportamento visual e 6 possivel acontecer. Por esse motivo, dentro do cultura surda, quase todos os surdos tem animais em sua casa. (RITA MAESTRI)21 4.4 Artefato culturalc literatura surda Quarto artefato cultural 6 a literatura surda, ela traduz a memoria das vivencias 1 1 surdas atraves das varias gera~des dos povos surdos. A literatura se multiplica em I I diferentes gsneros: poesia, historia de surdos, piadas, literatura infantil, classicos, I I fabulas, contos, romances, lendas e outras manifestas6es culturais. Karnopp fa2 , refersncia a respeito desse artefato cultural: ''I..] utilizamos a express60 "literatura , i surda" para histbrim que t6m a lingua de sinais, a quest60 da identidade e da cultura I surda presentes na narrativa [...I ". (1989, 102). De tal mod0 acrescenta o americano surdo Dr. Andersson "[ ...I pessoas surdas de talento jd tentaram criar poesia ou humor em lingua de sinais. Essas inova~6es culturais aconteceram em muitos paises. 0 recente "Deaf Way Festival" na Uni- versidade Gallaudet provou claramente que a lingua de sinais funciona como um enriquecimento cultural ideal." (1992, p. 158). 1 A literatura surda refere-se as varias experiencias pessoais do povo surdo que, I muitas vezes, expdem as dificuldades e ouvitorias das opress6es ouvintes, de como se saem em diversas situas6es inesperadas, testemunhando as as6es de grandes lideres e militantes surdos e sobre a valorizas20 de suas identidades surdas. Grande parte dessas narrativas em lingua de sinais tem sido gravada em CD- ROOM, videos e DVD, servindo atualmente como fontes para as varias pesquisas 21 Agradeso a Rita de Cassia Maestri pela contribui@o de sua narrativa como exemplo para este livro. realizadas por sujeitos surdos e ouvintes nas universidades, gerando este artefato cultural Literatura Surda, que 6 nativa e incomum: Diferentes artefatos culturais s8o produzidos no sentido de dar sus- tentaedo a determinados discursos sobre os surdos. Entre eles, desta- camos a literatura infantil que esta presente em diferentes contextos sociais, sendo a escola urn espaGo privilegiado da leitura desses mate-riais. Nos irltimos anos, essa literatura tem sido foco de pesquisas na area da educacdo justamente por sua insere80 e disseminacdo nus escolas, entre professores e alunos, tanto como material de instruedo como de lazer. (KARNOPF: 2006, p. 101) Muitos escritores e poetas surdos tamb6m registram suas express6es litera- rias em lingua portuguesa, como testemunhos compartilhados de suas identidades culturais e, assim, a cultura surda passou a ganhar espaso literario com lan~amentos de livros e artigos com temas nunca antes imaginados, Carol Padden e o Tom Humphries, escritores surdos americanos, lingiiistas que escreveram livros "Deaf in america: voices from a culture" e "Inside deaf cultu- re", valorizaram a chamada "cultura surda", o que fez uma transformasao positiva nos "olhares" sobre o povo surdo. Outro excelente escritor surdo 6 o inglss Paddy Ladd, que escreveu o livro "Understanding deaf culture In search of deafhood", uma leitura espantosa que mostra muitas veracidades sobre o mundo dos surdos. A surda brasileira Gladis Perlin publicou muitos artigos, tais como 'as identidades Surdas" (1998) "0 ser e o estar sendo surdos: alteridade diferen~a e identidade" (2003); "0 local da cultura surda"; (2004); "Surdos: o discurso do retorno" (2005); "Surdos: por uma pedagogia da diferen~a" (2006); "Surdos: cultura e pedagogia" (2006); que contribuiram significativamente a compreensgo da cultura surda na constru@o de identidades. E um process0 permanente de respeito do "ser surdo7', mudando a visa0 da hisMria que garante o valor dos direitos culturais para povo surdo, transformando as relashes de poder, desde a vida cotidiana, at6 os espasos mais pfiblicos. Outros autores surdos brasileiros contribuiram com o artefato cultural literario, dentre muitos eu menciono alguns: Carolina Hessel: "Por um curriculo em Lingua de Sinais" (2006); Celso Baldin: "A juventude - o Rio de Janeiro e..0 carnaval" (2001); I As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo Fabiano Souto Rosa: "Literatura Surda: criaqdo e produqzo de imagens e textos" (2006); Flaviane Reis: "Professor surdo: a politica e a poetica da transgress20 pedagogics" (2006); Gisele Rangel: "Histbria do povo surdo em Porto Alegre: lmagens e sinais de urna trajetoria cultural", (2004); Jorge Sergio L. Guimarges: "Ate onde vai o surdo" (cr6nicas / 1961); Marianne Stumpf: "Sistema Sigwriting: por urna escrita funcional para o surdo" (2005); Olindina Coelho Possidio "No meu silgncio: Ouvi e Vivi. " (autobio- grafia, 2005); Patricia Luiza Ferreira Pinto "Identidade cultural surda na diversidade brasileira" (2001); Ronice de Oliveira "Meus sentimentos em folhas" (livro de poemas, 2005); [Surda declarando urna poesia em Lingua de Sinais) I Shirley Vilhalva: "Recortes de urna Vida: Descobrindo o AmanhB" (autobiografia, 2001), "Por urna pedagogia surda" (2004); Wilson Miranda: "Comunidade dos surdos: olhares sobre os contatos culturais", (2001). Por muitas geraqbes os povos surdos transmitem muitas histbrias atraves de lingua de sinais, a maioria delas parte de experiencias das comunidades surdas que transmitem seus valores e orgulho da cultura surda que refor~a os vinculos que os unem com as geraq6es surdas mais jovens. Seleciono mais urna citaqgo que exemplifica o que digo: 1. ..] Primeiro, como e m outras culturas, elas sdo carregadores d e historia, maneiras d e repetir e reformular o passado para o presente. E segundo, nas , circunstanciais especiais da Comunidade Surda, estas historias assumem urn outro peso: elas sdo u m m e i o vital d e ensinar a sabedoria d o grupo para aqueles que ndo t&m familias Surdas. [...I (PADDEN; HUMPHRIES, 2000, p 38.) A literatura surda tambem envolve as piadas surdas que exploram a expressgo facial e corporal, o dominio da lingua de sinais e a maneira de contar piada natu- ralmente. S6o consideradas extraordinarias na comunidade surda. Na maioria das vezes estas piadas e anedotas envolvem a tematica das situaqbes engra~adas sobre a incornpreens50 das comunidades ouvintes acerca da cultura surda e vice-versa, como 6 o caso da popular piada "A arvore surda": o lenhador que grita "madeira" para urna arvore surda e ela n&o cai, e a arvore s6 cai quando o lenhador aprende a soletrar "m-a-d-e-i-r-a". 0 sujeito surdo ao contar esta pia- da, incorpora os personagens com as expressbes corporais e faciais e os dialogos, usando a lingua de sinais, o que faz com que os expectadores prendam a respiraqiio no desenrolar da histbria humoristica para depois cairem na risada. Estas piadas da cultura surda muitas vezes podem ocorrer sem que a comuni- dade ouvinte as compreenda e/ou n%o as achem engraqadas e vice-versa: o povo surdo tambkm ngo compreende as piadas da cultura ouvinte. lsto ocorre porque os sujeitos surdos usam nas piadas os artefatos culturais do povo surdo, enquanto para o povo ouvinte, a tematica da lingua portuguesa e vers6es sonoras sgo mais importantes. e 7' 0- V, 72 5 2 3 2 V)- & x" 0 2 -an a8g Ic>%& " 5 s Omo - Ic> .G : 8 i2 3 a, 3E8 ad'. \a, 8 $ - I 0 a,_ 358 a :-., 8 '3 V) 2 a, a, .$ a -C1 zE&' 0 Z '8 - a .2 .d =Jmo asV) OC8 E 2 .- U C As imagens do outro sobre a cultura surda (AntBnio Campos de Abreu trabalhando a historia dos surdos) associa~do de surdos, realizando atividades conjuntas, estudando em urna mesma escola, empreendendo lutas e reivindica~6es conjuntas. (KARNOPP 2005, p. 230-231). Dentro da comunidade surda, os sujeitos surdos n5o diferenciam um ao outro atravhs de grau de sua s u r d e ~ , ~ ~ e sim que o tal fulano d "surdo" ou "ouvinte", pois isto demonstra as suas identidades culturais do pertencimento a comunidade surda. Portanto, ser filho de pais surdos e extremamente respeitavel no circulo deles, como cita o Wrigley (1996, p. 15): A partir de urna visdo dos Surdos, o ato politizado de alegar urna surdez "nativa" - ou seja, urna surdez de nascenGa - esta ligado d identidade positiva de ndo estar "contaminado" pelo mundo dos que ouvem e suas limita~6es epistemol6gicas do som seqiiencial. A "pureza" do conhecimento dos Surdos, a verdadeira Surdez, que uem da expulsdo data distra~do 6 na cultura dos Surdos urna marca de distin~do. Seria melhor ainda se os famihares e ate mesmo seus pais fossem tamb6m Surdos. 0 povo surdo debate muito sobre identidade cultural nos casos de filhos surdos de pais surdos, fazendo corn que muitos deles tambdm aspirem ter filhos surdos, isto d considerado natural pela comunidade surda. Em uma ocasibo, quando resolvi adotar um filho, na vara de infincia, a psic6loga ao conversar comigo disse que o meniio era ouvinte e teve uma surdez progressiva. Retrucou preocupada, estir consciente que ele vai jicar surdo profundo? Eu respondi: E dai? Para mim isto nbo muda nada, para mim ele 6 o menino Richardt e vou aceitir-lo! Na area de saude classificam-seossurdos atraves de exames audiometrias. Graus de surdez mais conhecida sio: LeveJ Moderadd Severa / Profunda. 0 s artefatos culturais do povo surdo Lane cita situaq6es diferentes d e duas mses surdas quando souberam que suas filhas eram surdas, a primeira diz:"Pensei para comigo, ela deve ser surda. N&o fiquei desiludida; pensei, vai correr tudo bem. Somos as duas surdas, por isto saberemos o que fazer. " (1992, p. 34) e da outra mde que vem de urna grande famflia de sur- dos onde todos esperam que ela gere um outro membro surdo: "quero que minha filha seja como eu, seja surda" (1992, p. 34), percebemos que a primeira aceitou com naturalidade enquanto a outra afirma que a filha ser6 surda, ja que todos os membros tambdm o sho. Duas mulheres ldsbicas americanas surdas provocam criticas de povo ouvintes por deliberadamente optar por ter um beb& &av& de inseminaqgo artificial de um homem tambdm surdo fazendo com que aumente a possibilidade delas terem filho surdo. As duas mulheres surdas disseram que queriam urna crianqa que fosse como elas. Em urna entrevista a um jornal, as mulheres declararam que seriam melhores m5es de urna crianqa surda que urna pessoa ouvinte. Elas acreditam que sgo capazes de entender mais completamente o desenvolvimento da crianqa e oferecer melhor orientaqso, e disseram que a escolha n&o foi diferente de optar por um determinado sexo. Um trecho desta entrevista: [...I parte de urna gera~do que enxerga a surdez ndo como urna deficibncia, mas como urna identidade cultural. ';4lgumas pessoas encaram isso corno, "Oh, meu Deus, uoc& n6o deviam ter urna crian~a com urna limita~do fisica", disse McCullough, a mde adotiva do garoto. "Mas, vocb sabe, as pessoas negras t&m urna vida mais dura. Por que ndo poderiam osfuturos pais escolher um doador negro se 6 isso que querem? Eles deviam ter essa op~do. (THEATHER, 2002) Esta d urna situaqgo que precisamos refletir seriamente; mas ate que ponto eles chegam? Ser6 acertado desafiar a humanidade para se ter urna crianqa surda? E acertado terem urna crianqa surda para se identificarem com identidade cultural do povo surdo? Ser6 que o ideal n5o seria adotar urna crianqa que j6 d surda do que gerar uma? Este assunto pol6mico envolve muito sobre a questgo de etica humana. Esta reflex50 precisa ser muito repensada e levar a uma futura discuss50 sQia, assim comenta Thoma: "Com a possibilidade da c1onagem.de brg5os humanos I"' As imagens do outro sobre a cultura surda 1 0s artefatos culturais do povo surdo ou mesmo de vidas hurnanas, levanta-se uma discussZo etica sobre ate que ponto podemos h e r o uso da ci6ncia para determinar o tip0 de filhos que queremos" (2004, p. 58). 0 padrZo de comportamento do povo surdo versa tambem pela habitual fre- qiikncia aos bailes das associa~6es de surdos com seus desfiles de misses surdas, discursos longos e repetitivos dos presidentes e representantes de outras associa- shes; a entrega de trofeus e medalhas aos atletas surdos nos eventos esportivos de surdos. Nos bailes e festas promovidos pelas associas6es de surdos, geralmente no salZo, h6 poucos sujeitos surdos dansando e a grande maioria est6 conversando em seus cantos, pois os sujeitos surdos, quando reencontram seus amigos de muitos lugares do pais, sentem mais necessidade de colocar em dia as conversas para saberem as novidades do que de dansar. E aqueles que dansam no salZo, ou sZo sujeitos ouvintes - amigos ou familiares de surdos - ou sZo sujeitos surdos que sentem da vibras5o de musica e gostam de dansar. A maioria procura imitar os passos, tentando adivinhar o ritmo musical, observando os outros dansando; ou enGo dansam livres a sua maneira, afinal, nestes bailes e festas de cultura surda n5o tem regras de ribno musical correto e muitas vezes acontece que quando acaba a musica, eles continuam dansando. Outro lance curioso que as comunidades surdas tern 6 a tradiqZo de batiiar os nomes de seus membros em lingua de sinais, que pode ser uma das caracteristicas fisicas da pessoa, ou primeira letra de seu nome, ou de sua profiss50, assim como exemplifica Dalcin (2007, p. 205): [...I os surdos eram "batizados" por outros surdos da comunidade, atrauts de um sinal proprio e que esse sinal seria a identidade de cada um na comunidade surda. [...]a comunidade surda ntio se refere ?IS pessoas pelo nome proprio, mas pelo sinal proprio recebido no "batismo" quando o surdo ingressa na comunidade [...I Em principio as associa~des dos surdos funcionavam como espasos de recrea@o e lazer, mas com o passar do tempo passaram a ter necessidades de mais discursos politicos e de outras praticas esportivas, e as competiqbes eram voltadas somente para o futebol. A partir dai, houve a necessidade de criar as organizasdes que promovem inter- cgmbio dos diversos eventos esportivos dos surdos. No Brasil tem a CBDS - Confe- dera@o Brasileira de Desportos de Surdos, CISS - Comitk Internacional de Esportes dos Surdos, PANAMDES - Panamericano de Deportes de Sordos, CONSUDES - Confederacion Sudarnericana Deportiva de Sordos, que buscam adaptaq6es culturais para surdos nas praticas esportivas, como afirma o surdo Zovico (2002, p. 10): [...I a prbtica esportiva para os surdos requer apenas algumas adapta~des de sinaliza~tio visual, j6 que o surdo n8o possui debilita~ao fisica, sendo capaz de competir em grau de igualdade com atletas 1180 surdos. Em um jogo de futebol, por exemplo, no lugar do apito scio usadas bandeirinhas coloridas. No ano de 2002 foi realizada no Brasil, na cidade de Passo Fundo, Estado do Rio Grande do Sul, a 1" Olimpiada de Surdos do Brasil. Houve comoventes desfiles dos times de varias associaqbes de surdos brasileiras, hasteamento das bandeiras e Hino Nacional em lingua de sinais que marcaram a abertura dos jogos. A cada quatro anos 6 organizada a Olimpiada Mundial dos Surdos, com com- peticdes de jogos esportivos com muitos atletas surdos de varios paises. Na ultima olimpiada, no ano de 2007, na Australia, a dupla de v6lei de praia brasileira, os atletas surdos Alex Borges e Alexandre Couto, ficaram em quinto lugar. 0 nadador surdo Terence Parkin, da h c a do Sul, conquistou a medalha de prata nos 200 metros nado peito em uma olimpiada internacional de ano 2000, competindo com outros atletas ouvintes. Seu treinador costumava ficar ao lado do nadador proximo ao bloco para fazer um sinal de saida para o mesmo. Isso antes da FINA autorizar a 1 induso da luz, que e colocada especialmente pr6xima ao seu bloco na partida. 1 Em eventos pdblicos como, por exemplo, nas palestras ou apresentasdes teatrais os sujeitos surdos nao ouvem os aplausos com as palmas das msos, que comovem aos sujeitos ouvintes pelo barulho forte e vibrante; plateias aplaudem para sujeitos surdos girando as m5os levantadas no ar, como expde Magnini (2007): Num determinado momento subi numa arquibancada e, olhando de cima, o que presenciei foi um mar de mtios se agitando ... Enttio me ocorreu que aquele espetaculo seria o equivalente ao barulho, se fosse uma festa de ouvintes. I' I"' As irnagens do outro sobre a cultura surda 0 s artefatos culturais do povo surdo 4.6 Artefato cuituralt artes uisuais No artefato cultural artes visuais, os povos surdos fazem muitas criaqbes artisticas que sintetizam suas emoqbes, suas histdrias, suas subjetividades e a sua cultura. 0 artista surdo cria a arte para que o mundo saiba o que pensa, para divulgar as crenps do povo surdo, para explorar novas formas de "olhar" e interpretar a cultura surda. Deste modo, corno assevera o soci6logo surdo Anderson: 'as pessoas surdas tamb6m acham a lingua de sinais, corno qualquer outra lingua, uma maneira pode- rosa de expandir sua criatividade e prazer artisticos. Teatros nacionais de surdos em v6rios paises fizeram programas de grande sucesso. Artistas surdos t&m conseguido mostrar linguagem de sinais em suas pinturas, ilustraq5es ou trabalhosesculturais. " (1989, p. 158) Tem muitos surdos artistas que fazem desenhos, pinturas, esculturas e outras manifestaqbes artisticas com a extensdo beleza, equilibria, harmonia e revoltas com muitas discriminaqbes sofridas pel0 povo surdo. Como exemplo, hB muitas pinturas e esculturas lindas que os artistas surdos produzem em lingua de sinais, cenas de opressbes ouvintistas e outros. Uma surda, Ana Luiza Caldas (2006, p. 116), defendeu mestrado expondo sua pesquisa que k voltada a analise das revelaqbes artisticas de surdos atravks de pinturas. Concluiu-se que os sujeitos surdos se identificam com pinturas com arte- fatos culturais do povo surdo e tambkm fazem comparaqbes de diferenqas culturais. Observe, abaixo, um trecho da dissertaqdo a respeito de duas conversas entre a professora surda e as crianqas surdas: Na decada de 1950, os alunos surdos praticando esportes (Acervo INES) Professora: Eu quero que voc& sinalize o que voc& entende sobre o que estir na pintura? Vinicius: ela k surda? Professora: Ndo sei? Voc& tern corno ver se ela k surda? Vinicius: Ndo sei? E u acho que ela k ouvinte ... Surda o u ouvinte? ... 0 que ela serir? E u ndo sei? (Vinicius obseruando Mona Lisa). Alessandra: Tern alguns anirnais que sdo surdos e outros ouvintes, mas eles est6o juntos. Professora: voc& acha que tern anirnais surdos e ouvintes? Alessandra: tern. Antigarnente e u tinha urn cachorro que era surdo. Ele ndo falava, ficaua parado. Professora: E corno voc& sabia que ele era surdo? Revista de uma associa~do de surdos do ano de 1957 (Acervo INES) As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo Alessandra: Ele ouvia um pouquinho. Eu assobiava para ele: Vamos brincar!E eleficava parado, mas o outro cachorro era ouvinte. (Alessandra observando a Njamala) No teatro, a express20 atrav6s das feisdes, corpo e lingua de sinais 6 cons- tantemente praticada pelos sujeitos surdos, por isto eles t&m grande talent0 para expressar as suas identidades culturais atrav6s de desenhos no ar: as poesias, as narrativas e as contasdes das historias. Existem muitos DVDs filmados de poetas surdos apresentando suas performances comoventes em lingua de sinais. Nas comunidades surdas, muitos sujeitos surdos se destacaram na sociedade, assim como Marlee Matlin, atriz surda americana que ganhou o Oscar de melhor atrii em filme "Filhos de Silkncio", no ano de 1987, que foi uma vitoria delirante para o povo surdo. E Emanuelle Laborit, atrii surda francesa, que al6m de interpretar no teatro e no cinema, tambkm escreveu um limo com sucesso estonteante, traduzido em v6rias linguas: "0 v60 de gaivota". No Brasil tem muitos atores surdos, entre eles, o pesquisador Nelson Pimenta, que estudou no National Theatre of the Deaf em Estados Unidos e, atualmente, esta concluindo a gradua@o de cinema. Ele possui uma empresa "LSB Videovz3 (Pintura de urna surda que expBs na exposicdo de arte no 4 Seminario Paranaense dos Surdos12007) h t t p : / / w . Isbvideo. corn. br/ r que produz limos, jogos didaticos e DVDs de lingua de sinais com muitas histdrias infantis, poesias, dramatiiasdes na cultura surda. Outro ator, mimico e clown, o surdo Rimar Romano, que tem trks gerasdes de famnia surda, apresenta publicamente suas performances como mimica e teatro-fisico junto com os atores ouvintes. Ele e a irm2 fundaram uma Companhia de Teatro chamada "Cia. Arte e Si lenci~",~~ Rimar faz apresentasdes teatral para criansas surdas e ouvintes em escolas, um dos objetivos mais importante das apresentasdes dele 6 divulgar a Libras e cultura surda, como depde Erelisa Vieira (2007): [...I o Rimar tem algumasparticularidades, e especialidades, no meu ponto de vista ele consegue inserir a cukura surda em sua arte em teatro, Rimar coloca em meio a sua dramatizag60, piadas referentes ao campo visual, por exemplo, "desculpe, sou surdo ndo vi" fazendo a platkia como um todo cair na risada [. . .Iz5 , 0 ator surdo paulista, atualmente com: 70 anos, o Reinaldo Po10 atua profis- sionalmente mais de 50 anos como palhaso fazendo shows em clube de Palmeira, ele faz performances divertidas de tal mod0 como nas patina~des. Cito um depoimento de um poeta, comediante e dan~arino surdo de cidade Caldas Novas - GO, ele criou varios grupos de teatro para ensinar aos outros su- jeitos surdos: Meu apelido 6 Paul60 Praxedes, atuo ha 14 anos de tempo no teatro com surdos. Na 6poca eu estaua preocupado porque os surdos tinham muitos problemas na vida social e foi quando eu pensei que queria formar um grupo teatral para ensinar a express60 facial e corporal a eles. Alguns surdos n6o sabiam ler em portugub os textos sobre cenas e diblogos. Ent6o eu, como professor surdo explicava para eles em lingua de sinais para que eles entendessem bem. Quando eles ja aprofundaram mais os conhecimentos sobre o teatro e foi enttio que criei varios grupos de teatros, dentre eles: "Express60 do Sil&ncio" (voltadas para criangas surdas), "M6os do Sil&ncio" (pastoral dos surdos da igreja catblica) e "Gesto do Coragdo" (para adolescentes e adultos surdos)). 0 meu corag6o esta descompassado por causa do meu grande sonho: realizar o primeiro Encontro Nacional de Teatro dos Surdos. 26 24 h t t p : / / w . ciartesilencio. com/index. php. 25 Fonte: http://www. ciartesilencio. com/static. php?page=depoirnentos. 26 Agradefo a Paulo Praxedes pela contribui@o do seu depoirnento para este livro. / DepoJlrnento transcrito na integra, sern revisbes. I' As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo E tem muitos outros comediantes e artistas, tais como Silas Queirbz, Sandro dos Santos Pereira, Heloir Montanher, Celso Badin, Paulo Andrk Bulhdes, Cacau , MourSo e assim por adiante. A mtisica, por exemplo, nao faz parte de cultura surda, os sujeitos surdos po- dem e tem o direito de conhece-la como informaqfio e cdmo relaqfio inter~ultural.~~ S5o raros os sujeitos surdos que entendem e gostam de musica e isto tambkm deve ser res~eitado. (Ator surdo Rimar Romano fazendo sua apresentagio para as criangas surdas e ouvintes) (Surdos apresentando teatro em 4P Seminario Paranaense dos Surdos sob a coordenagdo d e ator Nelson Pimenta) Respeitando a cultura surda, substituindo as mtisicas ouvintizadas, surgem ar- tistas surdos em diferentes contextos como: mtisicas-sem-~om,~~ danqarinos, atores, poetas, pintores, m6gicos, escultores, contadores de hist6rias e outros. [...I tradicdo dos contadores d e historias que passam narracdes e, mais importante, a tradi~do da arte d e contar historias e m si mesma para gera- ~ 6 e s mais jouens. Esta auto-educacdo dentro dessas institui~des tem sido pouco estudada, mas ela sugere caminhos importantes d e regenera~do culturais previamente ignorados. (WRIGLEY, 1996, p. 25) I 27 Segundo Nanni: I...] intercultural ngo se reduz a uma simples rela@o de conhecimento: kata-se da interaGo enke sujeitos. lsto significa uma rela@o de troca e de reciprocidade enke pessoas vivas, com rostos e nomes prbprios, I reconhecendo reciprocamente seus direitos e sua dignidade. Uma relaeo que vai alQm da dimensao individual dos sujeitos e envolve suas respectivas identidades culturais diferentes. (apud FLEURI 2001, p. 118) 1 28 Coreografias de danps em lingua de sinais sem mlisica ... Bom exemplo disto pode ser visto na abertura de video 1 franc&: "0 Mundo de Surdos". 4. 'I Artefato cultural8 politica Outro artefato cultural influente das comunidades surdas k a politica, que consiste em diversos movimentos e lutas do povo surdo pelos seus direitos. -, Historicamente o povo surdo brasileiro transmitiu muitas tradiqdes em suas organizaqdes das comunidades surdas, o espaqo cultural mais conhecido de todos s%o as associa~des de surdos. No inicio as associaqdes de surdos tinham exclusivamente o objetivo de natureza social devido ao baixo padr%o de vida no skculoXVIII, os sujeitos surdos tinham o prop6sito de ajudar uns aos outros em caso de doenqa, morte e desemprego e, alkm disso, as associaqdes se propunham a fornecer informaqdes e incentivos atravks de conferencias e entretenimentos relevantes. (WIDEL, 1992) Atualmente, um dos maiores objetivo das associaqdes dos surdos 6 a politica, nestas organizaqdes retinem-se sujeitos surdos em reunides e assemblkias para 5 As imagens d o outro sobre a cultura surda 0 s artefatos culturais d o povo surdo compartilharem dos mesmos interesses em comuns, lutando pelos seus direitos judiciais e da cidadania, em uma determinada localidade, geralmente em uma sede I prbpria, alugada, ou cedida pel0 Governo. I Cito abaixo, dentre muitos, alguns lideres e militantes surdos mais conhecidos do Brasil que representam importante espaco de articulaG50 cultural politica do povo surdo, que contribuiram para a hist6ria dos surdos: [...I Ana Regina e Souza Campello, Surda de nascenca, maranhense, ! forrnada em Biblioteconomia e Documentacdo e Pedagogia, atualmente esth fazendo mestrado na hrea de lingufstica e doutorado na 6rea de educaedo e m UFSC. A Ana foi uma militante politica importante no Brasil, ela desafiou e participou e m movirnentos na hrea dos surdos hh mais de 30 anos e juntamente com outros surdos lideres criou a FENEIS (Federacdo Nacional de Educaedo e Integracdo de Surdos), uma conceituada institui@o que defende os direitos dos surdos e sua cidadania. 1 (STROBEL, 2007, p. 22) A Federa~go Nacional de EducaGSo de Surdos 1 FENEIS e uma entidade , filantr6pica, sem fins lucrativos com finalidade socio-cultural, assistencial e edu- ! cacional que tem por objetivo a defesa e a luta dos direitos da comunidade surda ! brasileira. E filiada a Federa~go Mundial dos Surdos / WDF; abaixo vai um trecho , I da entrevista dada por um dos fundadores surdos, Ant6nio Campos de Abreu, a I revista Sentidos: Minha primeira experi&ncia foi como diretor da Associacdo dos Surdos de Minas Gerais, onde atuei por 32 anos. Depois fundei a Federaqio Mineira Desportiva de Surdos e a Confederacdo Brasileira de Desportivo dos Surdos, trabalhando como volunthrio. Mais tarde m e uni a um grupo t de surdos para fundar a Federacdo Nacional das Associac6es de Surdos. Sernpre tive o objetivo de estimular a integracdo entre surdos e ouvintes, I valorizar a cultura do surdo, o uso da Libras e a prhtica de esportes. Eve a oportunidade de fazer um curso de lideranca nos Estados Unidos, na Uniuersidade dos Surdos. E sou membro da Federacdo Mundial de Surdos. A vitoria por tudo que j6 conquistamos na Feneis ndo e s6 minha. Eu sou ! muito agradecido a comunidade dos surdos. (GISELE, 2007) Ja explicado antes, todavia repito aqui, a outra organizaqgo do artefato cultural politica de extrema importgncia para o povo surdo e a ConfederaGBo Brasileira de Desportos dos Surdos / CBDS, a mesma organiza e regulamenta praticas de muitas (Uma apresentag.30 teatral do comediante surdo paranaense Heloir Montanher) modalidades de esportes de povo surdos, tambem promove competi~6es entre as associa~6es de surdos e outros. A pesquisadora Gladis Perlin incentivou a abertura do movimento de Mulheres Surdas em muitos estados brasileiros, foi feito o "I Encontro Latino Americana de Mulheres Surdas Lideres" no ano de 2004, na cidade de Belo Horizonte, no qua1 estiveram presentes as militantes mulheres surdas representando o Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Este encontro teve como objetivo principal debater a realidade social da mulher surda na America Latina com 8nfase na sadde, violgncia, educa~go, sexualidade, politica, direitos, cidadania, e participaqgo. 0 intuit0 principal foi o de desencadear movimentos pela mulher surda nos paises latino-americanos. 0 povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um 'blhar" diferente direcionado em uma filosofia para educaq&o cultural. Em que a educaqgo da- se no momento em que o surdo 4 colocado em contato com sua diferen~a para que acontesa a subjetiva$io e as trocas culturais. Fazem refergncia a respeito Schmitt, Strobe1 e Vilhalva (2007, p. 28): Foi atravh do esboco sobre as praticas discursivas de diversos povos culturais assim como o pouo negro, o povo indio, o povo alemdo, o povo surdo e outros, d que foi possivel desvendar o quanto hh uma forte ligacdo com as rela~6es de transmiss60 de saberes, conhecimentos e assim surgiu a pedagogia cultural. Este artefato politico abre os espagos dentro de uma educa@o diferente, por exemplo: o professor surdo entra em sala de aula e tenta aplicar a teoria proposta deparando-se com as diferen~as de identidades culturais dos alunos surdos. EntZio, 2' 0 a, -0 Y, 15 5 Y B .s 0, ws 3 2 071 5 2 6 $ z- E gx 58 W a, 10 -5 3-= m8,- ; gs 'G X gge: 22 ob .- cua ;go,- € 2.2 u 32 SLE !tog- 0 €-' aB a, E B YJU Y ", Ok :s;z 2s a, g U.3yuY E-E 0-b " 3 .C 3 u Oo.s$ fuEE 0 Q'O a, u.-CQ B .P! 8 0 , n.3 a,- 'a, 6 ts- g.$j.$j gz- .- OYECiOO Q 5- g -c .. . z .- ..r,ga,w $$.go \a,Y Pj?b%.~ -6- a,-= 9 8.5 Qa,O$ a g,. 5: E, 905 22 ":b+: 9 4 w 83.3 kfg E a, 23 a, .- -- QE c0 $2 tn a ~ZZ-F~ yu mo a, 3 $$l",z 73 8 u2-a '6~ E %,"ea,n!bg 3.p~ +$E Qg $93 t g, 0 MGSu $4 3 gu YO P, W.5 ai8 .8 6 Q,U Lu E ,~$W.~UOO 3a, 8 a,e 5z.s ,,.gm C: ~FOQ~!$ h a gg,g =is 5 I,- K .i- .g e g$? Q -p!ozE Ug ~2% b E Y 5 $0 Qi~qsl\;:: a a a ez& 6 .z ,s d g &; 2 24 a, a c ti g.g sox ,g 2 3 $ g *; !i a2l 2.5 g g 2255 ,g & 4,ha $3 2% c s 3 .g s ", a $? 5 a E ", Ez W22- 3 ,s 6 a,hUui' 2 :+ 'a) a "24 V) 002.G 32 \g a 5 3 & 24%2 a, " O '2 a .s a g $aC .- Yd; % 2a .A a 6 .G4j +oa g 8'3 cx c a, a, g ZF 8 3: a g 1% s&22 gzs "o 8 zva c $3 C E 3 .g g 8 8-O a 5 - $2 8 a, EOS gz& 0 0 4sj-g ,% 3 0 2 C "3 a, V) .- a g a EO.3 - a ra, , E ma 2 s2 a s .g .Z ,g 3 + t .a z a a ag "'EO", e! ngz.2 $ 2 3 Eaa As irnagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo 0 dia do Surdo tem u m significado simb6lico muifo importante. Ele representa o reconhecimento d e todo u m movimento que teue inicio h6 poucos anos no Brasil quando o Surdo passou a lutar pelo direito de ter sua lingua e sua cultura reconhecidas como uma lingua e uma cultura de u m grupo minoritbrio e nbo d e urn grupo de "deficientes". Com este artefato cultural politico, vamos refletir sobre as situasbes em que vive- mos e levantar desafios para n6s os membros das comunidades surdas, liderando os muitos movimentos, contribuirmos para as mudansas positivas das representas8es sociais acerca dos povos surdos! 4.8 Artefato culturalc materiais Ha artefatos culturais materiais resultantes da transformas20 da natureza peio trabalho humano, e sua utilizas20 e condicionada pelo enleio do comportamento cultural dos povos surdos, que auxilia nas acessibilidades nas vidas cotidianas de sujeitos surdos, assim como os autores americanos alegam nocaso das criangas surdas com familias surdas: [...I 0 seu lar jh funciona como u m ambiente que conduz ao uso visual como o principal meio de aprendizagern e desenvolvimento. A casa fem a rede planejada para responder aos sinais ambientais oisualmente. Por exemplo; campainhas e telefones ncio tocam, mas acendem a luz, cada u m com seu padrbo. Pais surdos tern T l Y p a r a se comunicar ao telefone. (LANE; HOFFMEISTER; BAHAN, 1996, p. 25) 0 TDD (Telephone Device for the Deaf) - um pouco maior que o telefone con- vencional, na parte de cima tem um encaixe de fone e embaixo dele tem um visor onde aparece escrito digitado e mais abaixo tem as teclas para digitar -, instrumentos luminosos como a campainha em casas e escolas de surdos, despertadores com vibradores, legendas closed-caption, baba sinaliradores etc. Cito exemplo de uma situasdo de uma m2e surda: [...I s6 sabia que ele estava chorando com o auxilio d e urn aparelho chamado "babh eletr6nican. 0 microfone ficava acima d o b e r ~ o e o sinalizador lurninosos, ligado por u m b n g o fio, ia comigo para todos os lugares. Enquanto estava no cozinha fazendo meus afazeres, ficaua de olho na l6mpada para saber se esth piscando. S e m problema! (STRNADOVA, 2000, p. 139) Em 1964, tr&s inventores surdos, Robert Weitbrecht, Andrew Saks, e James Marsters inventaram o modem do TTY (0 TTY "Teletypewriter", um aparelho aue foi inventado por volta de 1910 para transmitir texto por linha telegrafica que permitiriam o povo surdo se comunicar atravks de telefone.) Robert Weitbrecht, um fisico surdo que durante toda a sua vida sempre de- monstrou seu interesse em Cigncias, especialmente em r6dios e telex. Formou-se em astronomia na universidade de California em Berkeley e tem trabalhado como fisico em instituto de pesquisa de Stanford. Ele era radioamador e usava RTTY (TTY tambem era usado por radioamadores, como maneira de transmitir texto por radio: RTTY- Radio Teletypewriter); ele queria se comunicar com seu amigo surdo o dentista James Marsters e, com isto, foi aperfeisoado o modem de TDD. Depois os outros inventores surdos, o negociante Andrew Sacks e o Jim Marsters juntaram-se com Weitbrecht. 0 Marsters para verificar se os circuitos de radio do teletipo poderiam ser adaptados para o uso sobre a linha de telefone e o Andrew Saks inventou as luzes de pisca-pisca e caracteres do telefone. Em 1974, a Universidade Gallaudet homenageou o Robert Weitbrecht com um titulo especial da ci&ncia pela sua iniciativa da invensgo de TDD. No Brasil o primeiro TDD foi trazido dos Estados Unidos por um pai que comprou para seus filhos surdos. -7-~c .,.c> ~-- Le&$&$~g&&&mw E, alem disso, ha a acessibilidade de sujeitos surdos em variados espasos, como em congressos, julgamentos, aulas, cursos, possibilitada por interpretes de lingua ' U e sinais, tel2o e cartazes etc. Freeman, Carbin e Boese citam que a lingua de sinais est6 abrindo espaso na sociedade pela midia e com isto surgem mais interpretes de lingua de sinais e atores surdos em comerciais e programas de televisso: ''[,..I 0s noticicirios sdo As imagens do outro sobre a cultura surda A representag80 imaginaria sobre (Uma aula em video-conferencia do curso LetradLibras) interpretados, candidatos presidenciais aprendem alguns sinais, pessoas que usam sinais sio mostradas na teleuisio nos programas para os adultos e crian~as [...In. (1999, p. 221) 14 ?menina a conuiuer em um mundo normal [. . .]" (TAKAHASHI, 1999, p. 3) 0 que significa mundo normal? Talvez, a mais "sofrida" de todas as represen- ta~6es no decorrer da hist6ria dos surdos, e o de "modelar" os sujeitos surdos a partir das representas6es hegembnicas. Reflete Wrigley esta afirmasgo: "[ ...I para o oralista, convencionaliza~~o [...I tem o objetivo mais amplo: as crian~as surdas "passarZo" por ouvintes, tornando-se assim "aceitaveis" como pessoas que parecem ouvir" (1996, p. 47) esta representasgo ouvintista ainda e feita atualmente, muitas vezes a sociedade ouvintista quer que os surdos sejam iicurados", direcionando-os para a ilusZo da esperansa de L'normaliar-se". Uma uez eu fui dar aula para urn grupo de profissionais em uma cidade do nordeste do Brasil; e uma psic6loga que trabalhaua muitos anos com os surdos e sabe a lingua de sinais me fez a pergunta: - Por que uocd n6o faz uma opera~do para ouvir? E respondi com outra pergunta: - Para que? Ela me respondeu: -Para 33 Peguei este depoimento em uma comunidade de Orkut: urna Disponivel em: da net onde permite as pessoas fazer amizades, participar em comunidades, fazer comentarios, deixar recados e outros, um espkcie ponto de encontro on- line com um ambiente de confraterniza@o. As imagens do outro sobre a cultura surda uoc& ter urna uida normal! Fiquei refletindo: urna psicdloga que trabalha com os surdos h6 muito tempo me via como "anormal", o que tenho de anormal? Sera que ouuir 6 normal e nbo ouuir 6 anormal? Como urna psicologa bilingiie pode trabalhar com os surdos se os estereotipa de "anormais"? A sociedade muitas vezes afirma que o povo surdo tem sua cultura, mas nho a conhece. Comentam e afirmam que como na sociedade a maioria dos sujeitos 6 ouvinte, o sujeito surdo tem que viver e submeter-se a essa maioria que o rodeia. Por exemplo, em muitas escolas de surdos os profissionais que trabalham la sho ouvintes e tem um "mundo" diferente dos surdos. De acordo com eles, a cultura ouvinte 6 superior e vgem seus alunos surdos de forma caridosa e paternalista, que necessitam de auxilio para se desenvolver, pois sozinhos nho vho conseguir ou terho mais dificuldades. Cito McCleary (2003, p. 3): [...I quando o surdo diz, "Eu tenho orgulho de ser surdo", ele choca e confunde o ouvinte. 0 ouvinte ndo gosta de ouvir isso, porque comeGa a colocar em questdo a certeza que o ouuinte tem sobre o mundo. Ele ndo pode mais achar que o surdo e um "coitado", porque um coitado ndo tem orgulho de si mesmo. 0 ouuinte fica com medo. 0 mundo do ouuinte comeGa a ficar menos seguro, mais complexo. 0 ouvinte ndo tem explica~do para o orgulho de o surdo ser surdo. Como e possiuel urna pessoa ter orgulho de ser surdo? Para o ouvinte, d um absurdo. E um paradoxo. Esta cita~ho acima complementa o que Skliar (1998, p. 28) explica sobre pro- blema das representa~6es sociais em considerasgo da cultura surda: "[. ..] porque se acha que nbo ha nada fora de seu normal, de sua propria auto-referencia cultural; nesseplano, a cultura surda seria um desuio, urna anomalia, o espaGo limitado onde se produzem atiuidades irreleuantes. " Em conseqiigncia disso, esses sujeitos surdos que ngo se reconhecem na cultura surda acabam planejando suas ashes para cada situa~ho de mod0 a ser aceito pela sociedade ouvinte, defendendo a lingua oral como mais vantajosa do que a lingua de sinais para a inclusho na vida social. Afirmar que 6 apenas urna quest50 de escolha para o sujeito surdo saber utilizar a fala 6 urna visho simplista e inggnua da realidade. Nho podemos esquecer que historicamente os sujeitos surdos sempre tiveram estere6tipos sociais como seres A representacio imaginaria sobre a cultura surda inferiores aos sujeitos ouvintes, como seres "deficientes" que precisavam se adequar, caminhar para a "normalidade". Para que isto acontep, eles precisavam se oralizar. Isto marcou por muitos anos ao povo surdo. 0 sujeito surdo que tem vergonha de usar a lingua de sinais nho se reconhece como surdo e sim como um deficiente, ou seja, nho conseguiu se libertar da visho de surdez que a sociedade atribui. 0 s sinais podem ser agressivos, diplomciticos, pobticos, filos6ficos, mate- mciticos: tudo pode ser express0 por meio de sinais, sem perda nenhuma de conteiido. Para aprender a falar, um surdo precisa de horas diarias de trabalho cirduo, enquanto o conhecimento dos sinais ocorre de forma esponthea, quase imediata. 0 s surdos prk-linguais, ou seja, que nunca ouviram ou perderam a audi~do muito cedo, ndo invejam os ouuintes e ndo se consideram deficientes. Recuso-me a ser considerada exceptional, deficiente. Ndo sou. Sou surda. Para mim, a lingua de sinais corresponde a minha voz, meus olhos sdo meus ouvidos. Sinceramente nada me falta. E a sociedade que me torna excep-cional. (LABORRIT, 2007)34 Com a oficialiac;ho da Libras, em abril de 2002, inicia-se a abertura de novos espasos para o povo surdo, mas ainda h6 rixas por parte de alguns profissionais que trabalham corn sujeitos surdos e dos sujeitos surdos oralizados. Para estes profis- sionais oralistas, a lingua de sinais 6 limitada e primitiva, nho sendo aconselhavel seu uso, bem como acreditam que a mesma atrapalha no treinamento da fala e na integraqho dos sujeitos surdos a sociedade. Skliar (1998, p. 28) j6 advertia sobre essas pontua~bes negativas da cultura surda, ele pronuncia: quando se trata de refletir sobre o fato de que nessa comunidade (de surdos) surgem - ou podem surgir - processos culturais especfficos, d comum a rejei~do a iddia da "cultura surda", trazendo como argument0 a concep@io da cultura universal, a cultura monolitica. [...I A cultura surda ndo d urna imagem uelada de uma hipotktica cultura ouvinte. Ndo d o seu rev&. Ndo 6 uma cultura patologica. A musica, por exemplo, nho faz parte de cultura surda. No entanto, embora muitas escolas para surdos reconhe~am o povo surdo como grupo cultural e lingii- 34 Fonte: As imagens do outro sobre a cultura surda istico, obrigam as crian~as e adultos surdos a fazerem as apresenta~bes de dan~as, corais e balks, que s5o pr6prias da cultura ouvinte, o que continua ocupando o centro de sua preocupaS50. Melodias e ritmos sonoros harmoniosos n5o foram criados pela cultura surda e sim pelos grupos ouvintes. Assim, ela se insere na cultura ouvintista. Na dbcada de anos 60, quando surgiu a Comunica@o trouxe o reco- nhecimento e valoriza@o de lingua de sinais que foi muito oprimida e marginalizada por mais de 100 anos, ent5o surgiu em muitas escolas os corais de lingua de sinais, que n5o condizem com a express50 da arte surda: [. . .] onde a lingua de sinais era utilizada com a musicalidade corno em ballet das mdos, pordm com puro portugub ~inalizado,~~ uma protolinguagem que ndo 6 nem lingua de sinais pura [...I pois, na realidade, os surdos ndo passauam de uentriloquos de maestros ouuintes, sinalizando musicas de cultura ouvinte que nem eles mesmos "escutavam", ficando totalmente presos ao maestro ouvinte, com os olhos fiwos, apenas imitando e nem podendo olhar o publico a que se dirigiam. (ARRIENS, 2003, p. 23) Continua Arriens (2003, p. 22): [...I nosso nouo milenio, com o ressurgimento do bilingiiismo, ndo se fala mais em "Corais Surdos". Porque? Basta visitarmos associa~6es de surdos, os unicos locais onde verdadeiramente se fomentam as "culturas surdas", e n60 veremos coros de surdos ensaiando e, tampouco, maestros partituras, arranjos instrumentais, vocais etc. , pois isso t algo realmente pertencente a cultura ouvinte. Na maioria de casos, mesmo em corais de lingua de sinais - onde muitos sujeitos surdos nem entendiam a musica que produziam - os seus passos, dan~as ou sinais s5o controladas por pessoas ouvintes, pois eram realmente musicas que sbo apre- ciadas e emocionavam aos ouvidos do pliblico ouvinte, cito exemplos abaixo:Jovens surdas dan~am, [...I, para homenagear os professores pelo seu dia. [...I fica evidente um certo descompasso. Quatro das alunas voltam seus olharespara um mesmo local, o que me faz intuir que elas buscam orien- 35 Cornunica@o Total: filosofia de trabalho corn os surdos onde utilizavarn de todos os recursos disponiveis para estabelecer urn contato efetivo corn a pessoa surda, dentre eles corno o oral, treinarnento auditivo, desenhos, escrita e usavarn rnuito tarnbern o birnodalisrno, isto 6, portuguC sinalido. 36 Portugues Sinalizado: e o uso de vocabularies de sinais na eshtura de lingua portuguesa, portanto nso e lingua de sinais, porque a mesma usa a grarnAtitica pr6pria e diferente de lingua portuguesa. A representaglo imaginaria sobre a cultura surda t a~do de a@uem, prouavelmente uma professora ouvinte que n6o aparece no enquadramento fotogrdfico, mas que, pela necessidade surda de te-la junto de si, ndo ocupa o sil&ncio da imagem. Ela d quase uma presenGa diluida em quem esta se apresentando. (LOPES, 2004, p. 47) Tr& jovens apresentam-se em urn palco que se bcaliza na escola de ou- vintes. Elas estdo vestidas com malhas e demonstram uma sincronia em seus passos. Fica visivel na fotografia o olhar delas em busca da orienta~do sobre como fazer e qua1 passo dar. A dependsncia da orienta~do ouvinte vai desde a sinaliza~do do inicio da musica e troca de possos at6 a indica- qdo de quando a musica termina para que as bailarinas parem de dan~ar. (LOPES, 2004. p. 47) Refletindo, vemos que hoje em dia ainda existem muitas praticas ouvintistas e escolas usando mBtodos ultrapassados, n5o se preocupando em se atualizar, parti- cipando em congresses e cursos. Ou ainda, iniciam dizendo serem a favor da lingua de sinais e, aos poucos, sem ningukm perceber v5o deixando-a de lado, assim corno afirma Felipe (2003): "Aceita-seprogramas bilingues transithias, que iniciando com a libras, gradualmente substituird essa lingua pela lingua portuguesa". E porque os sujeitos ouvintes n5o conhecem ou n5o compreendem realmente a cultura surda ou nbo aceitam a cultura surda? Na realidade, o problema nbo szo os sujeitos surdos, n5o s5o as identidades surdas, nem a lingua de sinais e sim as representa~ees estereotipadas e hegembnicas sobre a cultura surda. A cultura surda e a lingua de sinais no decorrer da hist6ria de surdos sofreram verdadeiras persegui~bes, mas as representa~bes sociais estgo passando por uma nova mudan~a para o povo surdo que n5o temem esconder suas identidades cul- turais. 0 s sujeitos surdos sabem do que querem bem corno evidencia McCleary (2003, p. 2): [...I diga para um ouvinte: "Eu tenho orgulho de usar a lingua de sinais brasileira". Qual pode ser a rea~do dele? Ele pode pensar, "Sim, claro! 0 s gestos sdo muito bonitos e expressivos!" Mas ndo 6 por isso que voc& tem orgulho! Voc& tem orgulho porque quando voc& usa a lingua de sinais, voc& pode ser surdo e feliz ao mesmo tempo. 0 s povos surdos est5o cada vez mais motivados pela valoriza~5o de suas "di- ferenps" e assim respiram com mais orgulho e riqueza da suas condi~6es culturais! Menciono um fragment0 da dissertaqiio do pesquisador surdo Miranda (2001, p. 8): j' As imagens do outro sobre a cultura surda Sou surdo! 0 meu jeito de ser j6 marca a diferensa! Neste ponto deuia comesar a dissertasdo. Ser surdo, viver nas diferentes comunidades dos surdos, conhecer a cultura, a lingua, a histbria e a representas80 que atua simbolicamente distinguindo a n& surdos e b comunidade surda 6 uma rnarcas8opat-a sustentar o tema em quest8o. A ideia de comunidadesurda contestada e continuamente sendo reconstituida, particularmente diante da diferenp dejendida porpoucos surdos e ouvintes de extrema esquerda, se apresenta mais como uma ameasa b representas80 do outro surdo. Historia Cultural: novas reflexties sobre a historia dos surdos "N6o apenas o sujeito enraiza-se na histbria, mas o prbprio conceit0 de sujeito 6 uma invenf$io historicamente determinada" (Veiga-Neto) HisMria de surdos foi e ainda 6 produzida, com especial atensgo, para as tradi- qbes inerentes aos demais autores. A hist6ria dos surdos surgiu elogiando professores ouvintes pela iniciativa de trabalhos com os surdos, pela evolus5o da medicina para a "cura" da surdez, pelas diversas metodologias criadas pelos ouvintes na educasgo dos sujeitos surdos. A maioria dos registros historicos foi escrita atravds de metanarrativa~~~ ouvintes, depoimentos de profissionais que trabalharam corn os sujeitos surdos, fatos viven- ciados por eles, avansos tecnologicos e observaqbes de familiares e amigos ouvintes, tornando a historia de surdos em uma visgo critica, isto e, a historia de surdos na visa0 de sujeitos ouvintes. Assim como reflete Wrigley (1996, p. 38): Pintar psicohistorias de grandes homens lutando para obter um lugar na historia das civilizasdes dos que ouvem tern pouco ou nada a ver com representar as circunstincias histbricas das pessoas Surdas vivendo a margem daquelas sociedades que ouvem. 37 Metanarrativas: segundo Silva (2000) e "[ ...I qualquer sistema te6rico ou filosofico corn pretensdes de fornecer descrigdes ou explicafBes abrangentes e totalizandes do mundo ou da vida social. A mesma coisa que "grande narrativa" ou "narrativa mestra". (p. 78) As imagens do outro sobre a cultura surda Aqui apresento urna nova forma de se abordar os epis6dios historicos conhecidos , como Hist6ria Cultural dos Surdos. A escolha se justifica, urna vez que, dos novos modelos historiograficos, 6 0 , justamente as hist6rias culturais, que mais trazem novos ares na produs50 da hist6ria real dos surdos. 0 que seria hist6ria cultural dos surdos? Sera que a evolus5o da medicina para curar a surdez e diversas metodologias criadas por professores ouvintes n5o s5o reais? Quero ilustrar aqui que a hist6ria authtica dos surdos n5o 6 mais urna mera hist6ria de surdos no pensamento critico, mas, sim, enxergar a cultura surda como um conjunto de significados e costumes partilhados e construidos pel0 povo surdo, como exemplifica Burke (2005, p. 86): [...I os estudos sobre a historia das viagens muitas vezes focalizam as maneiras estereotipadas pela qual urna cultura ndo familiar k percebida e descrita e o 'blhar" do viajante, diferenciando o olharimperial, o feminino, o pitoresco e outros tipos. hde-se mostrar que alguns viajantes haviam lido sobre o pais antes de nele porem os p&, e, ao chegar, viram o que haviam aprendido a esperar. A historia cultural dos surdos quase nunca nos 4 exposta, visto que tal fato ! 5 seria urna ligas5o respeitavel para a legitimag50 do modelo cultural do ser surdo. A hist6ria cultural est6 trazendo urna nova mudanga na vis5o da hist6ria dos surdos. Segundo Pesavento (2005, p. 15): [...I Ndo se trata de fazer urna Historia do Pensamento ou de urna histo- ria Intelectual, ou ainda mesmo de pensar urna Historia da Cultura nos uelhos mold es... [...I Trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construidos pelos homens para explicar o mundo. Pois, na verdade, a hist6ria dos surdos em padr6es tradicionais n5o produz a hist6ria legitima dos povos surdos, que seriam localizadas nos discursos das associa-g6es de surdos, de professores surdos, de sujeitos surdos bem-sucedidos, de sujeitos surdos lideres, da pedagogia surda, de movimentos politicos dos povos surdos e outros. A cultura surda produz um conjunto de perspectivas que, em geral, instituem ao povo surdo como fonte de 6xtase. A construqiio das identidades surdas que seriam o resultado de urna produg50 das representas6es impostas por aqueles que t6m Historia Cultural: novas reflexdes sobre a historia dos surdos poder de classificar e de nomear subverte a ordem. A definisgo pode ser submetida ou resistente, assim como exp6em os diferentes olhares dos profissionais da area de saride, educacional e da sociedade,como declara Miranda (2001, p. 22): Se a comunidade surda 6, primeiramente, ligada por urna representa- do da identifica~do, tem, conseqiientemente, uma'lingua que influi nu diferen~a essencial. Como podemos ver, a politica de significagao opera como a necessidade de patria cultural com poder de identificagdo para auto-identificar-se, auto-narrar-se ... ela tem razdo de ser e existir. 0 s defensores da lingua de sinais para os povos surdos asseguram que e na posse desta lingua que o sujeito surdo construira a identidade surda, ja que ele n5o 4 sujeito ouvinte. A maioria das narrativas tem como base a ideia de que a identidade surda esta relacionada a urna quest50 de uso da lingua. Mas o que ocorre verdadeiramente 6 que, no encontro do surdo com outro surdo que tambdm usa a lingua de sinais se faz brotar novas probabilidades de subjetividades, de compartilhar a cultura, de aquisis50 de conhecimentos, que n5o s5o plausiveis por meio da lingua oral e da cultura ouvinte. Nota-se que dessa forma a identidade esta relacionada tantoaos discursos produzidos quanto ?I natu- reza das relas6es sociais, isto 4 pode ocorrer nas fronteira~~~ identificatorias entre o pr6prio sujeito surdo e o sujeito ouvinte, quanto obtBm a consideras50 dos demais membros do povo surdo na comunidade na qual pertence. 0 pesquisador surdo Miranda (2001, p. 23), adverte no que refere ?I identidade surda: "Ela 4 ameasada constantemente pelo 'butro". Este outro pode se referir aos surdos que optaram pela representas50 da identidade ouvinte. Esta politica de representas50 geralmente tera urna incid6ncia negativa" . Muitas teorias escritas explanam que os povos surdos t6m tendhcia a formar guetos surdos e n5o a comunidade surda. Isto sugere aquilo que o soci6logo america- no surdo Anderson (1989) comenta sobre este esteredtipo aplicado As comunidades surdas, a insinuaggo praticada no termo gueto surdo 6 sempre revidado quando tentamos deliberar a importancia da comunidade surda. 38 Fronteiras: "Entendemos as identidades essenciais, ou ainda um essencialismo estratkgico de que fala Bhabha como constantes do centro de um disco elastic0 em torno do qual existem as fronteiras, nesse sentido 'contornos de fronteiras'. Andar na fronteira equivale ao hibridismo". (PERLIN; MIRANDA, 2003, p. 224) I - As imagens do outro sobre a cultura surda Recentemente houve uma virada da historia de surdos na visgo critica para a histbria cultural. Este mod0 envolvente na historia cultural de surdos resultou em um certo abandon0 dos artigos teoricos tradicionais, para entgo ter mais valorizagho de povos surdos, em diversas comunidades surdas e periodos especificos. Como resultado dessa "virada cultural", os historiadores abandonaram os esquemas te6ricos generalizantes para s e concentrar sobre os valores de grupos particulares, em locais e periodos espec$icos. Nesse context0 surgiram os trabalhos sobre ggnero, minorias Ctnicas e religiosas, h6bitos e costumes. (BURKE, 2005) A cultura surda passou a ganhar espago nas teorias de historia, assim como surgiram constantes adaptagbes de historia legitima do povo surdo para os textos escritos, os lan~amentos de livros com temas nunca antes imaginados, como e o caso dos artigos de muitos autores surdos, como os ja citados em um dos capitulos anteriores deste mesmo livro, sobre os artefatos culturais da literatura surda. Como vemos, com o passar do tempo, os povos surdos tiveram a necessidade de registrar suas atuagbes do cotidiano, como as conquistas, lingua de sinais, rituais etc. que contribuiram comsuas historias num movimento de resgate de seus ideais. Estes artigos que contern historias culturais versam sobre o povo surdo e exem- plificam as mudangas. Com a historia cultural a dimensgo cultural ganhou novos contornos na historia dos surdos. 0 mod0 de subjetividade e de identidades culturais de povos surdos no correr da historia tornou-se, portanto, tambdm uma historia de conflitos, de lutas contra as praticas ouvintistas, das alteridades e das representagbes diferenciadas. Assim como cita Wrigley (1996, p. 11): [...I a declara~lio de uma identidade "Ctnica" distinta que vem acom- panhando o ressurgimento da consci2ncia dos Surdos nas duas liltimas ddcadas f o r p a reavalia~lio data e de outras identidades excluidas das equa~bes do "normal". 0 s povos surdos olham para tr6s e abrangem muitas praticas extasiantes dos pioneiros da cultura surda. A historia cultural dos surdos 4 longa e complexa, existe ha muitos de anos e contern indmeras formas de se comunicar, ou seja, atraves da lingua de sinais, desenhos, expressbes faciais, corporais, imagens visuais, artes, movimentos de lutas, criagbes, pedagogias ... Historia Cultural: novas reflexaes sobre a historia dos surdos Com este limo vamos refletir sobre a situaggo em que os povos surdos vivem e levantar desafios para nos, lideres das comunidades surdas, contribuir para mudanp da visgo historica dos surdos. Entgo o desafio para o povo surdo 6 construir uma nova historia cultural, com o reconhecimento e o respeito das diferengas, valorizag50 da lingua, a emancipagiio dos sujeitos surdos de todas as formas de opressgo ouvintistas e seu lime desenvol- vimento espontgneo de identidade cultural! In (ex)clusao dos surdos: pratica inter [cultural)? A inclusdo [...I B ser respeitado nus suas diferenps e ndo ter de submeter a uma cultura, a uma forma de aprender, a uma lingua que ndo B a sua. (G6rdia Vargas) A ponderaqso realiada sobre cultura surda e identidades surdas nos capitulos anteriores impde a necessidade de refletirmos sobre inclusiio ou exclusi50 dos surdos em vdrios espaqos sociais. Etas discussdes auxiliam na cornpreens50 de diferentes contextos da histdria de surdos em que se di5o as dibsporas, as lutas, os conflitos culturais e diferentes identidades analisando-os com base nos Estudos Surdos, onde podemos buscar a realidade cultural do nosso tempo. (Lingua de Sinais de Flausino de Gama / ano: 187:) I' Historia Cultural: novas reflexdes sobre a historia dos surdos Esta havendo uma politica em rumo apelidada de "incl~sbo'~, a sociedade co- '1 mesa a perceber a existsncia do povo surdo e procura se organizar para recebg-10s de forma adequada, e os proprios sujeitos surdos comesam a exigir seus espasos, sua representa~bo de diferensa cultural lingiiistica. A inclusao nbo ocorre somente nas escolas, pode ocorrer tamb6m nos restau- rantes, nos shoppings, nos trabalhos, nos 6rg5os pliblicos, nas lojas, nas igrejas e em outros ambientes de interasgo humana. Quando comentamos em "incluir", obviamente 6 porque tem sujeitos que estzo "excluidas" isto e, estbo fora. Ao longo dos s6culos na historia dos surdos, o poder ouvintista tendem a impor sua cultura ouvinte sobre os demais povos surdos debaixo de sua area de influgncia, resultando desta mescla os conflitos de representas6es e de identidades surdas. Durante muito tempo, devido ao process0 de imposisgo cultural ouvinte no povo surdo, vemos um acesso quase irrestrito a cultura surda, por causa de lutas de relasees de poderes em ambos os lados. Mas atualmente o povo surdo luta As imagens do outro sobre a cultura surda com garras e forsa por reconhecimento da representaqbo de diferen~a cultural e identidade surda. Silva (2004, p. 133) argumenta: "cultura como um campo de produedo de significados no qua1 os dife- rentes grupos sociais, situados em posiedes diferenciais de poder, lutam pela imposicdo de seus significados a sociedade mais ampla. A cultura 6, nessa concep~do, um campo contestado de significacdo ... (a cultura 6 um jogo de poder) ". Perlin (2004, p. 76), autora surda, afirma: "Percebe-se que o sujeito surdo esta descentrado de uma cultura e possui outra cultura. Percebe-se o surdo em seu deslocamento da cultura ouvinte ou cultura universal e emergente na problemdtica da diferen~a cultural prhpria". A crianqa surda fazsurda a partir do olhar do pr6prio surdo. Vou apresenta-la como o povo surdo, normalmente, faz. Karin Strobe1 6 sur- da. Seu sinal k a configurasdo de mdo K realiiada no espaso neutro h direita com movimento para cima para baixo acornpanhado de uma leve rotasso do pulso. K-A-R-I-N (soletrado usando o alfabeto manual) 15 o seu nome. Ela tem uma longa hist6ria nos movimentos surdos brasileiros. Na luta pel0 reconhecimento da lingua de sinais, participou de varias mobilkas6es, de eventos de sensibilkasdo e de cargos estratkgicos para mudar o olhar do outro. No estado do Parana, foi professora em varios niveis educacionais. Atuou na forma@o de alunos surdos e na forma60 de profissionais da Area dos Estudos Surdos e ocupou posisks politicas. Em Santa Catarina, Karin Strobe1 iniciou sua carreira academics com pesquisas relacionadas com a hist6ria da educa60 de surdos. Professores, instrutores, intkrpretes de lingua de sinais e colegas passaram pela Karin Strobe1 para aprender sobre a cultura surda e sua lingua. Nestes anos todos de atuasso, Karin percebeu o quanto k importante ver o outro e perceber como o outro a percebe, enquanto surda. Assim, este livro se constitui ... A autora percebe que o ser surdo k algo estranho ao outro e por isso traz neste livro os artefatos que constituem este ser estranho ao ndo surdo. "Cultura surda", "identidade surda", "povo surdo", "comunidade surda", "lingua de sinais" sdo aspedos abordados a partir do olhar de uma surda que transita entre os mundos surdos e n5o-surdos. 0 livro se organiza para desconstruir o estranhamento do outro e construir outros olhares sobre o ser surdo. Neste sentido, convida o leito~a entrar na jornada dos surdos. Com propriedade Karin Strobel pega o leitor pela m5o e faz perseguir as trilhas dos surdos de um jeito surdo. As imagens do outro sobre a cultura surda s5o descontruidas e a partir dos es- combros se traduz outras possibilidades de se ver o mundo dos surdos, ou melhor, o povo surdo. Toda o texto 6 situado historicamente, pois as imagens refletem os movimentos histbricos que envolveram os surdos. No capitulo 1, a autora discute teoricamente o conceito de cultura que 6 fun- damental para construir um outro oIhar sobre os surdos. A seguir, no capitulo 2, adentra a cultura surda propriamente dita. Inicia com uma provocagbo: os surdos t6m cultura? A seguir, no capitulo 3, Karin Strobel, traz outra questgo: povo surdo ou comunidade surda? A autora traz esta discuss50 que situa os surdos neste momento histbrico que vivemos neste mil6ni0, os surdos constituem um povo. No capitulo seguinte, a autora descreve os artefatos culturais deste povo. Parte das experi6ncias visuais, conversa sobre a lingua de sinais, uma lingua que tamb6m 6 uma experiencia visual, as familias, a literatura, o lazer, as artes, a politica e os materiais. Todos estes artefatos concebidos a partir do VER. No capitulo 5, Karin Strobe1 adentra o imaginario dos n8o surdos que flutua na sociedade brasileira, principalmente por parte dos ouvintes (n5o surdos). A seguir, no capitulo 6, a histbria cultural 4 trazida com o olhar na histbria dos surdos que chega neste momento em que temos a surdez inventada noutra perspectiva, a dos prbprios surdos. 0 imaginario toma outros entornos e ha rupturas com o imaginario social representando os surdos a partir da faIta. 0 s surdos s5o reinventados a partir dos prbprios surdos construindo outra histbria a partir da cultura. No capitulo 7, a autora, ent50, traz a discuss50 da inclus50, algo que permeia as representagees imaginarias do ser surdo. Enfim, no Gltimo capitulo, Karin apresenta caminhos para adentrar e compreender a cultura surda. A compreensbo parte do reconhecimento da diferenga. Nesta jornada trazida por Karin Strobel, os leitores chegam ao fim para construir um outro olhar sobre os surdos. 0 s surdos, portanto, fazem parte de um aconteci- mento que 6 compartilhado pela autora por meio destas trilhas. Ronice Muller de Quadros 1 Qual o conceito que trazemos sobre a cultura? [...I se a compreensdo da cultura exige que se pense nos diuersos pouos, nagdes, sociedades e grupos humanos, 6 porque eles est6o em intera~do. I I (Jos4 Luiz dos Santos) Podemos iniciar a discuss50 deste livro a partir de alguns questionamentos. Qual o conceito que trazemos sobre a cultura? Ha, de fato, cultura surda? 0 povo surdo, de fato, produz uma cultura? 0 que os outros falam sobre a cultura surda? Porque muitos sujeitos dizem que n5o existe cultura surda? Para obtermos respostas i dessas reflex6es, analisamos a base tebrica que sustenta o conceito de cultura. Nos estudos e pesquisas sobre a cultura percebem-se variag6es, desde concep- g6es tradicionais at6 as mais recentes. As vikias suposi~des limitadas em compreender a cultura resultam de um conjunto corriqueiro para referir unicamente as manifes- tag6es artisticas. Ou 6 identificada como os meios de comunicag50 de massa ou, ! ent50, cultura di respeito as festas e cerim6nias tradicionais, as lendas e crengas de um povo, seu mod0 de se vestir, sua comida e a sua lingua. Estes focos sobre a cultura resultam pol6micas entre varias opini6es dos pesqui- sadores e dos leigos. Por que ha tantas variag6es de teorias a respeito da cultura? 0 doutor Lynn comenta que "apesar de uma longa histbria de descri~des e defini~des de cultura em v6ria.s tradi~des, o conceito continua a oferecer mais indaga~6es do que respostas" (SOUZA, 2006, p. 1). Desta forqa, se torna imprescindivel que analisemos o process0 histbrico so- bre o conceito de cultura. Para esclarecer as variagdes das teqrias sobre a cultura, As imagens do outro sobre a cultura surda Qual o conceit0 que trazemos sobre a cultura? tra~arei algumas seqiiencias hist6ricas mostrando as transforma~6es nas rela~6es da sociedade com a natureza e, principalmente nas rela~6es de seus membros entre si. Cada teoria sobre a cultura d o resultado de urna hist6ria particular que inclui os escritos de v6rios pesquisadores que tinham suas pr6prias iddias em rela~des as culturas diferenciadas. Desde o final do sdculo passado, os pesquisadores vem elaborando indmeros conceitos sobre cultura e, apesar de a cifra ter ultrapassado mais de 200 defini- sees, ainda nbo chegaram a um acordo sobre o significado exato da terminologia. 0 conceito de cultura d transmitido e interiorizado em diferentes aspectos, assim como Moles afirma: "cultura, termo t6o carregado de valores diversos que o seu papel uaria notavelmente de um autor para outro e do qua1 se enumeraram mais de 250 definicbes" (apud RICOU; NUNES, 2005). H6 quem considere a cultura de forma unitaria, ou admita a existencia n60 de urna cultura, no singular, mas de culturas no plural. A iddia unit6ria de cultura est6 relacionada na sociedade com as ideologias hegembnicas, de padroniza~bo, de normaliza~bo, onde todos devem se identificar com esta cultura linica em um determinado espaGo. Conforme assinala Schiller, a cultura d a estrutura daquilo que d chamado de "hegem~nia",~ que molda os sujeitos humanos As necessidades de um tip0 de so- ciedade politicamente organizada, remodelando-os com base nos atuantes dbceis, moderados, de elevados principios, pacificos, conciliadores (apud EAGLETON, 2005). Isso evidencia que esta sociedade gerou o desejo da necessidade de sermos perfeitos para pertencermos a ela, senbo estariamos excluidos. Na teoria moderna, a cultura se torna sabedoria grandiosa ou arma ideolbgica, urna forma isolada de critica social. Esta teoria possui a iddia de urna cultura unica e perfeita, a alteridade e a diferen~a sbo vistas como mancha para a sociedade, fazendo com que tenham a necessidade de transformaqbo do "outro", isto 4, como j6 ilustrado anteriormente, moldando os sujeitos "diferentes" para serem iguais a eles. Deste modo, alude doutor Lynn "[ ...I que partia da noc6o da superioridade do discurso filosofico que permitiaparte da cultura surda, do povo surdo e tem cgmbio com a cultura do povo ouvinte. Quadros (1997) ressalta que, levando-se em conta o aspect0 psicossocial da criansa surda, ela apresentara uma socializa~bo satisfatoria e integrar-se- a no povo ouvinte se tiver desenvolvido uma identidade cultural com o seu grupo; se isto nbo ocorrer, nzo se integrara em nenhum dos contextos, tera sQias limitasoes sociais e lingiiisticas. Porkm, alguns aspectos da permuta de cultura ainda nbo e realidade atualmen- te para o povo surdo, pois, como ja ilustrado no capitulo 5 anterior, a sociedade ainda v8 os surdos como "deficientes", "anormais", "doentes" e os lideres surdos e membros do povo surdo estao querendo reconhecimento e fortalecimento de suas identidades surdas. Por isto a prefersncia de surdos em se relacionar com seus semelhantes fortalece sua identidade e lhes traz seguransa, 6 nos contatos com seus semelhantes que eles se identificam com os outros surdos e encontram relatos e problemas e hist6rias semelhantes Bs suas. Sobre a inclusgo social, assim como ja comentado anteriormente no capitulo artefato visual, ha escassez de recursos visuais que facilitem a acessibilidade dos sujeitos surdos 21 vida social. Na sociedade, a maioria das anunciaq6es e informa- sees sbo sonoras e de palavras faladas, ai vai um acontecimento ocorrido: Eu e minha amiga surda fomos a um grande supermercado reclamar sobre um aparelho domhtico que quebrou u p 6 somente quatro meses de uso; no supermercado ale- Historia Cultural: novas reflexbes sobre a historia dos surdos garam que nds perdemos a garantia porque na hora de compra eles comunicaram que deviamos tirar a notafiscal emitida pela loja e que o extrato de caixa ndo tinha valor. lsto foi informado na hora de compra, mas como n6s duas somos surdas ndo 'buvimo~" o comunicado e com isto ficamos prejudicadas. A inclusiio de sujeitos surdos em mercado de trabalho depende das acessibili- dades adaptados as necessidades culturais dos mesmos com o local e nos relacio- namentos dos seus colegas. Cito exemplos que uma funcionaria surda Christiane Elizabeth Righettom - oralizada e tem dominio de lingua de sinais - de uma grande empresa de renome, dep6e os pontos positivos e negativos dentro do local: 0 que eu gosto: de ser aceita como eu sou, diferente e surda - Defi- ci&ncia auditiva e o termo ttcnico usado na area da saiide, ndo faz parte da cultura surda e ndo sou deficiente auditiva, pois ndo tenho problema d e a u d i ~ d o - e tambtm de ser irtil e ajudar as pessbas. 0 que n6o gosto: d e assistir palestras e reunibes, porque ndo entendo o que falam. De ficar n o meio das pessoas tagarebndo s e m entender, participar e acompanhar as tagarelas. De receber informa~des incom- pletas e resumidas, como se fosse u m tecido com retalhos d e pano. De pedir alguem fazer liga~des para mim e de receber liga~des atraub d e terceiro s6 obtendo as infonna~des incompletas e curtas. De ser considerada igual aos funcionarios ouvintes. De ser ma1 atendida e compreendida. Para a inclusiio de sujeitos surdos nas empresas, o ideal seria a contrataqdo dos servigos dos interpretes e tradutores de lingua de sinais para as reuniees, as palestras e os cursos de formag6es oferecidas. Tambdm que estas empresas conscientiiem das diferengas lingiiisticas e culturais dos sujeitos surdos e permitam acessos de cursos de lingua de sinais aos funcionarios, colegas, amigos, vizinhos, familiares e as comunidades em geral, a fim de permitir que se comuniquem e convivam com os funcionarios surdos. Nas escolas, a educagiio inclusiva niio se refere apenas aos sujeitos surdos, refe- re-se tambkm a "educagiio para todos", entiio vamos refletir, o fato desses sujeitos estarem dentro da escola significa que eles estdo incluidos? A inclusiio, um movimento que tem intensdo de envolver toda a sociedade, pordm a sociedade de inclusdo niio ve o sujeito surdo como diferenga cultural, mas " Agrade~o a Christiane Elizabeth Righetto pela conb.ibui@o de sua narrativa como exemplo para este livro. As imagens do outro sobre a cultura surda sim como deficientes necessitados da normaliia@o, cujo padriio-modelo e o ouvinte. Entiio como fica a inclusiio dos surdos? Assim como afirma Skliar (1998-b, p. 13) sobre a inclusiio de surdos em escolas de ouvintes: A distin~ao entre diversidade e di feren~a conduz ao debatesobre o lugar que corresponde aos surdos na e d u c a ~ d o especial e na e d u c a ~ d o e m geral[ ...I tambem 6 necess6rio romper com a tradi~do segundo a qual, uma vez reconhecido o frocasso da escola especial, aparece d e maneira implacauel uma iinica o p ~ d o : a escola inclusiva. lsto t, o imperativo da integracdo escolar dos surdos nas escolas regulares. Infelizmente a maioria das escolas seguem espagos ndo preparados para estas diferenps culturais, como d o caso na inclusdo be alunos surdos em escolas regulares. Eles de~aram-se com dificuldades de adaptago e com problemas de subjetividades, porque nestas escolas niio compartilham suas identidades culturais, assim como reflete a pesquisadora Lopes (1998, p. 11 1) sobre esta realidade: A representa~ao do surdo como u m doente dificulta a organiza~dopolitica desses para reivindicar seus direitos na escola, na midia e nos lugares piiblicos. A identidade do sujeito surdo, sob a otica do representa~do realista, busca se adaptar a o seu deficit auditiuo e a superacdo do defici- Bncia por outras atividades chamadas d e compensat6rias. Como comeqou a inclusiio de surdos nas escolas regulares? Com a Declara~iio de Salamanca,4l a politica evidenciada na Declarago de Salamanca foi adotada na maioria dos paises e na elaboragiio da Lei de Diretriies e Bases da Educasiio, Lei n. 9394/96, observamos que no capitulo sobre a educagiio especial ap6ia-se e inclui-se parbmetros para a integragiiolinclusiio do aluno especial na escola regular. A Declaragiio faz advertcncia a situagiio lingiiistica dos surdos e defende as escolas e classes para eles, item 30. Foi aprovada uma lei, d que em que constava esta lei? Permitir aos sujeitos surdos o acesso ao ensino regular, mas onde estavam os professores preparados? Qual era a infra-estrutura das portas que eram abertas ao povo surdo nas escolas? 0 problema 6 que estas escolas ainda niio respeitam essa advertencia e continuam tratando os sujeitos surdos como os demais alunos. 41 A DeclaraGo de Salamanca: Reconvocando as v%as dedara@es das Naqbes Unidas que culminaram no documento dasNa@es Unidas " R e p Padrh sobre Equalizafio de Oportunidades para Pessoas com DeficiZ.ncias", o qual demanda os Estados assegurem que a educaqho de pessoas com deficiencias seja parte integmnteco sistema educational. In (ex)clusao dos surdos: pratica inter (cultural)? [...I os alunos surdos ficardo em classes de ouvintes, sendo que a lingua de maior prestigio sera a da professora e dos alunos ouvintes. 0 s surdos, embora possam receber a tradu@o simultaneamente do "ensinado" que estiver acontecendo em sala de aula, tera de estudar em portugu&s e fazer suas provas nessa lingua. (FELIPE, 2003, p. 87) Fui uma adolescente revoltada e vivia isolada porque a escola oralista orien- tou a minha familia que eu ndo poderia ter contato com outros sujeitos surdos adultos, havia muitos estere6tipo~~~ em relacdo a lingua de sinais e, consequen- temente, ndo tinha amigos surdos e nem ouvintes. 0 s adolescentes ouvintes me achavam chata por eu ter comunicacdo limitada e sem graca e se afastavam. Entdo me isolava, me fechava no quarto e chorava todos os dias dizendo que era castigo de Deus por ter me feita surda e queria morrer, j6 que na vida n8o tinha espaco para mim. lsto k inclusdo? E inclusdo a pessoa ouvinte resolver o que k melhor para o sujeito surdo sem "sentir na pr6pria pele" as dificuldades e os sofrimentos dos surdos? Em conseqiigncia do Congress0 de MilSo, que temproibido por muitos anos os surdos a usarem a lingua de sinais, ela sobreviveu gracas a resistgncia do povo surdo contra esta pratica ouvintista. Muitas criancas em escolas para surdos, quando a lingua de sinais 6 proibida, muitas vezes a praticam as escondidas entre si, assim como relata autora surda durante a sua infancia na escola de surdos: Quando um de professores se uiraua para escreuer no quadro-negro, tinhamos hhbito de trocar informa~des na lingua de sinais, persuadidos de que ele nbo nos escutaua, jh que nbo nos via. Ora, no comeGo, ele se uoltaua todas as uezes, era estranho, nbo compreendiamos imediatamente por qu&. Com o passar do tempo, dei-me conta de que, ao falar com as mbos, sem saber, emitiamos ruidos com a boca. Cuidamos entbo de nbo mais emitir nenhum som e, desde aquele dia, trocamos nossas l i~des o mais tranqiiilamente possiuel. (LABORITT, 1994, p. 84) Desta maneira, a "inclusSo" de sujeitos surdos na escola, tendo-se a lingua portuguesa como principal forma de comunicacSo, nos faz questionar bem se a inclusSo oferecida significa integrar o surdo? Na verdade a palavra correta para as '2 Estere6tipos negativos sobre lingua de sinais: se o surdo aprender a lingua de sinais n lo irb se integrar 8 sociedade, que irb desaprender a falar, que o surdo ficarb mudo, que a lingua de sinais Q uma lingua pobre e mimica, que n5o transmite idbias abstratas e tantos outros. As imagens do outro sobre a cultura surda experigncias desenvolvidas nSo 6 "inclusdo", e sim urna forcada "adaptacdo" com a situacSo do dia-a-dia dentro de escola de ouvintes. Durante o recreio durante minha vida escolar (escola de ouvintes), no patio de escola onde muitas criancas brincavam, eu ficava ao lado da pipoqueira, urna senhora mulata simples e sorridente; eu ficava quietinha, sozinha alheia de tudo e ndo tinha um ar muito contente, muitas vezes esta pipoqueira simpatizava comigo, me dava pipoca de graca e sorria. Fiquei muito triste quanto soube que ela morreu atropelada, perdera a iinica amiga da escola que, mesmo sem palavras, se comu- nicava comigo atravks de sorrisos e gestos amigaveis. Eu me sentia como urna pessoa e~trangeira~~ no meio ambiente escolar era tSo timida que ficava isolada a maior parte de tempo tendo apenas urna ou outra colega ouvinte que me ajudava. Skliar (1998, p. 36) esclarece esta situacSo: "0s depoimentos de alunos surdos que passaram pelo ensino regular sem urna me- todologia especffica mostram como eles se sentem estrangeiros e marginalizados nessa situacdo [...I" Trago de novo algumas experigncias em escola de ouvintes durante a minha infancia: Uma vez entrei na sala de aula e todos entregaram trabalho para o professor; eu fiquei surpresa e perguntei: "que trabalho?". 0 s colegas disseram que o professor avisou verbalmente na ultima aula, s6 que ningukm se lembrou de me avisar. lsto tambkm aconteceu com as provas marcadas e depois, na hora, me dava ma1 por ndo ter estudado. Entdo, quanto me cobrava a leitura labial, eu arrumava todas as "desculpas" possiveis para escapar daquela situacdo, inclusivamente disse urna vez que o pro- fessor tinha bigode enorme por isto n60 o entendia. A direcdo obrigou-o a tirar o bigode, o que ele fez, e fiquei muito sem graca porque continuei ndo entendendo e para piorar, ele ficou horrivel com os labios muito finos. Entdo a partir dai desde infdncia atk a faculdade comecei a fingir que entendia tudo. " Surdos se sentem estrangeiros em wmunidade ouvinte quanto a mesma s6 usam a lingua portuguesa, que Q considerada como segunda lingua para os surdos. EnGo o uso de uma cultura e lingua diferente de sua Q estrangeirismo, o mesmo sentido como os sujeitos ouvinte diem: "peixe fora d'bgua". ,. In (ex)clus2o dos surdos: pratica inter (cultural)? Isto era muito comum o que acontecem com os sujeitos surdos, fingir que compreendem tudo como estrategia de sobrevivGncia, assim como explica a autora Botelho (2002, p. 19): [. . .] muitofrequentemente os surdos usam a "simuh@o de compreensdo", isto 6, fingem que compreendem e que sabem, para evitar constrangimento na tensdo da comunica@o e para que passem despercebidos, aprendem a ocultar o sofrimento pelo temor e vergonha de ndo ser como todo mundo, isto torna coisas pioresporque aparenta ausgncia de problemas e refor~a o equivoco de que a escola regular 6 possivel para todos os surdos [...I Na inclus8o e mais dificil quanto as crianqas surdas n8o est8o preparadas e ficam totalmente a mercG dos professores n8o usuarios de lingua de sinais e de colegas ouvintes que fazem muitas brincadeiras rotineiras da cultura ouvinte como por exemplo o "telefone-sem-fio", "cirandinha" e outros, Strobe1 (2006, p. 250) afirma que: Como uma crian~a surda poderh desenvolver uma lingua se ndo houver uma identificaciio corn o surdo adulto? Como o sujeito surdo poderh fazer uma identifica~do corn relacdo a sua identidade surda no futuro, se ele niio conviver corn outros surdos que facam uso da lingua de sinais? Quem foi que disse que 6 s6 o sujeito surdo utilizar-se da lingua de sinais que por um "passe de mhgica" ele passarci a ter uma aprendizagem total? E a cultura como fica? S5o raros os professores habilitados para trabalhar com os alunos surdos em sala de aula. Na maioria dos cursos de Pedagogia nas universidades n8o tinham estas especializaqBes para esta area - somente agora salvo pel0 decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que da a obrigatoriedade das aberturas de cursos de Libras nestes cursos, as coisas podem melhorar futuramente -, voltando ao assunto a respeito da falta de preparo dos profissionais que entendam e conheqam a cultura surda, cito um exemplo de uma surda, estudante de pedagogia: Uma vez na faculdade, durante muitos anos no curso depedagogia sempre discutiram muito sobre a importancia de inclusdo de surdos nas escolas regulars, etc. Em uma ocasiiio, a professora psic6loga fez uma atiuidade que consistia que cada urn dos alunos dizer a qualidade da pessoa es- colhida e presentearia corn um bombom e assim por diante. No final de tudo, jh presenteados seus colegas escolhidos, nos sobraram duas surdas, a intkrprete e a minha miie, a ultima colega ouvinte escolheu a interprete As irnagens do outro sobre a cultura surda para presentear e ela sem graGa, sem saber qua1 de nos duas escolheria para presentear e disse, que escolheria nos duas juntas, a professora impe- diu-a dizendo que ndo pode e teria que escolher uma, entdo a interprete chateada presenteou a minha mde corn urn bombom. A minha mde, na uez dela leuantou, uendo a nossa mhgoa e caras de choramingo e disse a professora e a todos os colegas de pedagogia: isto se chama a inclusiio? Voc& demonstraram na pratica que "excluiram" as duas surdas! (STRO- BEL, 2006, p. 249) Em outras palawas, quem esta perdendo com isso tudo s8o os sujeitos surdo As crianqas surdas em vez de aprender aumentam-lhes ddvidas e questionamentos como exemplifica Lane (1992, p. 39): [...I A tipica crian~a surda, que nasceu surda ou que ficou surda antes de aprender o inglk, esta completamente perdida no banco da turma de ouvintes. 0 que diz o professor? Como Ihe posso tomar claros os meus pensamentos? 0 que posso fazer para ser aceito pelas outras crian~as? Esta aqui a@u6m presente que me possa explicar certas coisas depois das aulas? Exponho abaixo os comportamentos que evidenciam as diferenqas culturais de sujeito surdo e de sujeito ouvinte na mesma aula, mesmo com a presenqa do interprete de lingua de sinais: Quando o professor fala durante as aulas, eu tenho de prestar atencdo olhando para o interprete, ndo posso desviar o olhar para fazer anotacdes no caderno como os outros alunos ouvintes fazem, sendo perco as informac6es transmitidas pel0 interprete - isto 6 ruim, porque ndo tenho como revisar o que foi dito durante as aulas. Nus aulas de matemdtica, o professor faz cdlculos em quadro-negro, eu ndo consigoolharpara o quadro e ao interprete ao mesmo tempo, por isto sempre tenho de estudar fora de escola para entender e tirar notas boas. 0 ideal e compartilhar as experigncias das escolas culturais de diferentes espaqos para que possam ter continuidade e ampliaqso da pedagogia cultural, por exemplo: em Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, o curso LETRASILIBRAS aceita prova em lingua de sinais e com isto as outras universidades poder8o aceitar e isso entre outros artefatos culturais, sao exemplos da interculturalidade que v8o moldando As nossas maneiras de ser e de viver. In (ex)clus30 dos surdos: pratica inter (cultural)? Reforqo o pensamento de Skliar (1998): Estudos Surdos se constituem enquanto um programa de pesquisa em educaqgo, onde as identidades, as linguas, os projetos educacionais, a historia, a arte, as comunidades e as culturas surdas sgo focalizadas e entendidas a partir da diferenqa, a partir do seu reconhecimento politico, trago segundo o Fleuri (2001, p. 117): [...I A perspectiua multicultural reconhece as diferen~as dtnicas, culturais e religiosas entre grupos que coabitam no mesmo contexto. 0 educador que assume urna perspectiua multicultural considera a diuersidade cultural como um fato, do qua1 se toma consci&ncia, procurando adaptar-lhe urna proposta educatiua. Adaptar-se, neste sentido, significa limitar os danos sobre si e sobre os outros. Mas o educador passa na perspectiua multicul- tural a intercultural quando constroi um "projeto educatiuo intencional'' para promouer a rela~do entre pessoas de culturas diferentes. A funqgo social da cultura, da escola, os pap& dos professores em contextos de mudanqas fazem com que eles se vgo adaptando as nossas necessidades cultu- rais, aos nossos desejos, aos nossos relacionamentos, aos nossos "eus" privado e phblico, enfim, vgo modelando nossas subjetividades e construindo as identidades deste andamento. Segue um comentario do lider surdo Antonio Campos: [...I para aliuio nosso a sociedade recebe melhor os surdos, inclusiue em uniuersidades. As pessoas jh conuiuem bem com o surdo, respeitam sua identidade e o Gouerno tem cumprido as leis que dizem respeito a inclusdo. Antes, a rela~do dos surdos com a sociedade era dificil, conflituosa e as pessoas tinham um sentimento de piedade pelo surdo. A cria~do de leis e decretos que fauorecem a inclusdo do surdo, a cria~do do Prolibras tambdm t&m contribuido muito. (GISELE, 2007) A crianqa surda necessita de professores surdos usuarios naturais de lingua de sinais e cultura propria em seu process0 de construqgo de identidade e educacio- nal. 0 imaginado 6 que os sujeitos surdos tenham contato com os outros surdos que constituem o povo surdo, onde acontece o seu desenvolvimento como sujeito diferente, sendo um centro de encontro com o semelhante para que desenvolva sua identidade cultural, por isto estes defendem a importhncia de termos escola de surdos, segundo diz Quadros (2006, p. 35): Desse modo, os surdos sonham com espaSos em que a lingua de sinais seja a lingua de instru~do, em um ambiente cultural e social que fauore~a As irnagens do outro sobre a cultura surda o fortalecimento das heran~as surdas para a consolida~do de um grupo que se diferencia a partir da experigncia visual. Apresento a seguir a narrativa interessante de urna surda mestranda Shirley Vilhalva em urna ocasigo de quando fez urna das suas visitas em escolas indigenas, em contato marcante com urna india kaxinawaM a fez refletir do seu "eu-surda" na inclusgo social: Fiz minha pergunta para urna grande mestra idosa india com o acompanha- mento da interpreta~cio em libras, a pergunta era sobre a rela~do de como ela entendia oprojeto indio surdo e a quest60 em quese encontram quando os jouensestudantes indios u&m tendoprocesso de tal urna formagio dentro da pedagogia indigena, sabendo que sempre foi urna exigencia do sistema aplicado da pedagogia urbana, conhecida como "pedagogia dos brancos". A resposta dela: para ser aceita e sobreuiuer, precisei adotar a cultura dos ndo-indios deixando de lado a minha cultura indigena, precisei aprender a lingua do branco e esquecer a minha, pois a lingua deles tem mais poder de uida la fora, precisei da pedagogia dos brancos, pois o meu sistema dentro da pedagogia indigena ndo tinha mama ualidade que a deles. Hoje uejo os jouens indios sem saber relatarem o seu passado historic0 por desconhe- cerem o valor cultural que os mesmos t&m. 0 s brancos que ontem uieram para colocar a sua lingua nos indios, u&m hoje trazer de uolta a lingua que nos tiraram, anseiam que os indios uoltem e reconstruam sua origem. E assim, eu refletindo em compara~do dos indios com os surdos, digo que nos surdos tiuemos que deixar de "ser surdo" e passar a ser um ouuinte, pois "ser ouuinte" d ser aceito. Tiuemos que arrancar e esconder a nossa cultura surda, porque era a parte das exigencias para dar status a urna linica lingua oral, pois para eles a lingua esponthnea dos surdos era a errada. Na realidade, "ser surdo" tinha que ser escondido para aparecer anonimamente "ser ouuinte" para ser aceito na sociedade. 0 s surdos mant&m o seu mundo, a sua cultura, a sua lingua e se escondem de sua comunidade para sobreuiuer num espaGo da maioria. (SHIRLEY VILHALVA)45 Matutando sobre estas propostas da in (ex)clusgo, para o povo surdo ja passa- ram por muitos anos de humilhaq6es e de sofrimentos nos quais os sujeitos surdos choraram para que em seguida erguerem a cabeqa com orgulho de suas identidades " Uma das etnias dos indios. " Depoimento transcrito na integra, sem revisbes. In (ex)clusao dos surdos: pritica inter (cultural)? (Uma lnterprete em urna aula com alunos surdos mestrandos e doutorandos em UFSC) indo as suas lutas pel'a inclusZo de verdade. 0 s povos surdos hoje mais abertos culturalmente n5o se submetem mais e gritam alto "chega de mania de normaliza- q50, de reabilitaq507' porque eles est5o mais conscientes 16, de onde eram sempre tomadas as decishs por eles e para eles, os povos surdos unicamente querem uma escola onde lhes permitam a aprender e nZo fingir que sabem! Para finalizar este capitulo, cito um poema "Lamento Oculto de um Surdo" feito por Vilhalva (2004), pedagoga surda, que nos faz refletir: Quantas uezes eu pedi uma Escola de Surdo e voc6 achou melhor uma escola de ouvinte. Vdrias vezes eu sinalizei as minha necessidades e voc6 as ignorou, colocando as suas ideias no lugar. Quantas vezes levantei a mdo para expor minhas iddias e voc6 nGo viu. S6 prevaleceram os seus objetivos ou voc6 tentava me influenciar com a hist6ria As imagens do outro sobre a cultura surda de que a Lei agora e essa. e que a Escola de Surdo ndo pode existir por estar no momento da "lnclusdo". Eu fiquei esperando mais uma vez ... em meu pensamento.. . Ser Surdo de Direito B ser 'buvido7'. . . 6 quando levanto a minha mBo e voc6 me permite mostrar o melhor caminho dentro de minhas necessidades. Se voc& Ouvinte me represents, leve os meus ensejos e as minhas solicita~des como eu almejo e ndo que voc6 pensa como deve ser. No meu direito de escolha, pulsa dentro de mim: Vida, Lingua, Educa~Bo, Cultura e um Direito de ser Surdo. Entenda somente isso! Como podemos compreender e envolver com as peculiaridades da cultura surda? 0 encontro com a comunidade surda permite-lhes sair do lugar do diferen- te, do excluido, do estranho, do estrangeiro, para o de "pertencimento", um lugar em que se encontram como iguais, sentem-se entendido e efetivamente conseguem estabelecer uma relapi0 de troca. (Gladis Dalcin) Como ja vimos no transcorrer do presente livro, a cultura surda retrata a vida que os sujeitos surdos levam; as suas conversas diarias, as ligbes que ensinam entre si, as suas artes, os seus desempenhos e os seus mitos compartilhados, o seu jeito de mudar o mundo, de entende-lo e de viver nele. Para conhecer e entender a cultura surda 6importante a convivencia com a comunidade surda, assim como afirma a autora surda Vilhalva (2007): Ntio d suficiente conhecer a Lingua Brasileira de Sinais para poder atuar eficazmente na escola com o aluno Surdo. E tambdm necesshrio conhecer a Cultura Surda atraub daparticipac60 e uiugncia na comunidade Surda, aceitactio da diferenp e pacigncia para inteirar-se ne l c~ .~~ Considerando que o povo surdo necessita de duas linguas: a lingua de sinais na comunicagiio entre seus identicos e da segunda lingua para integrarem se B co- munidade ouvinte, essa colocag50 reflete a id6ia de uma relagso intercultural, pois o povo surdo pode se aproximar de cultura ouvinte como uma opgiio e ter uma Fonte: http://www. planetaeducacao. corn. br/novo/artigo. asp?artigo=977 , As imagens do outro sobre a cultura surda I i n (ex)clusio dos surdos: pratica inter (cultural)? rela~Zo de trocas e compartilha~iio de ambas as culturas, procurando respeitar as suas diferen~as. Perlin (2000, p. 27-28) enfatiza as propostas da educaeo dos surdos, a exig6ncia para a pratica cultural no curricula, cita dentre elas: + Presen~a do professor surdo na sala de aula para contato com a repre- sentaGZo de identidade surda, o que gera urna atitude positiva para com essa identidade; + Professor ouvinte com dominio de lingua de sinais e capacitado para ensino de portugu6s como segunda lingua, participante do movimen- to da comunidade surda, o que vai possibilitar a vivgncia, ou seja, a experilkcia cultural presente; + Contato do surdo com a cultura surda, movimento surdo, expressdes culturais surdas, o que facilita a sintonia dos estilos de ensino com o estilo de aprendizagem e motivacZo dos estudantes. - Para os sujeitos "ouvintes", que podem ser os alunos de cursos de lingua de sinais, familia, professores de inclusZo, professores bilingiies, intkrpretes, amigos e outros, sZo encorajados a ver o mundo de surdos atravks dos seus olhos como urna cultura diferente. 0 mod0 de os sujeitos surdos de agirem e de verem o mundo constitui-se numa cultura estrangeira para estes ouvintes. Assim estes ouvintes podem ter suas constru@ies interculturais e lingiiisticamente em meio as produ~des de surdos e ouvintes, como assevera a int6rprete Aguiar (2006, p. 25-30), segundo na sua dis- serta~Zo do mestrado: As identidades G o produzidas dentro das culturas, motivo a t e que justifica o porqug das mesmas serem culturais. No caso dos ILS,47 a transi~ao entre duas culturas (espacos surdos e espacos ouvintes) multifacetadas, os fazem flutuar entre esses meios, tomando-o uma producdo cultural e fervilhando novas significacbes a partir destas rela~bes desencadeadas. No entanto, o fato dos ILS transitarem entre duas linguas, traz conseqii&ncias al6m das habilidades visuais e auditivas, isto 6, outras questbes entram e m cena, tais como o hibridismo cultural, urna vez que esses profissionais se deslocam entre fionteiras culturais (de surdos e ouvintes) e se constituem politicamente nesses espacos sociais e culturais que desencadeiam relacbes amplamente complexas. Relacbes essas de contestaciio cultural, de per- 47 ILS. Interprete em lingua de Sinais. tencimento ao g u p o de surd- Go algumas das exigencias quando nos posicionamos nas fronteiras entre a LS e o portugub. 0 s motivos para os sujeitos ouvintes decidirem conhecer e promover a cultura surda 6 que com isto eles podem fortalecer a imagem da marca surda na vida so- cial, aumentar a credibilidade com a rela~iio ao povo surdo, tamb6m pode exaltar o relacionamento com a comunidade surda. Apresento a seguir algumas sugestdes para aproximar os sujeitos ouvintes da cultura surda para que possam compreender suas peculiaridades: + Visitar e freqiientar as comunidades surdas: associa~6es, igrejas, con- ven~des, escolas de surdos, eventos esportivos, teatros e outros. + Conviver com os sujeitos surdos em situa~des informais e formais. + Pesquisar e estudar livros ou materiais informativos do Povo Surdo. + Conhecer e ler sobre todos os artefatos culturais do povo surdo. + Procurar respeitar e valorizar as diferen~as culturais do povo surdo tendo urna constru~iio intercultural isto 6, urna troca, compartilha~Zo e urna aproxima@o harmoniosa entre as ambas das culturas. + Respeitar os espaGos conquistados pelos sujeitos surdos enquanto estZo em produ@o cultural, por exemplo: tem muitos sujeitos ouvintes que auerem "com~etir" com os surdos e assim fazem com que o povo surdo suspeite dos mesmos, devido a longa historia de opressao de lutas de rela~des de poderes para conquistarem seus espagos. Tem muitos ouvintes que aproveitam dos espaGos conquistados pelos surdos para ensinar a lin- gua de sinais e outras coisas, alegando que tem direitos iguais.. . Mas onde estZo os direitos de igualdade enquanto na sociedade os sujeitos ouvintes geralmente sZo preferidos a dos surdos? Isto acontece nas maiorias de empresas, nas universidades, nas institui~des ou at6 mesmo em igrejas, que preferem profissionais ouvintes para nbo ter de contratar intbrpretes para os profissionais surdos. TambBm pela barreira de comunica@o k mais facil contratar um ouvinte, sabendo que para sujeitos surdos 6 mais dificil conseguir contatos via telefone, por exemplo. No futuro, quando a sociedade tiver urna representa@o sem estereotipos e mais positiva em nivel de igualdade entre os surdos e ouvintes, se olharem o povo surdo como diferen~a cultural, e nbo como deficientes, dai nZo teriam esta "guerra cultural" entre eles. Conclui-se que a cultura surda 6 transmitida de geraq5o em geraq50, atraves da lingua de sinais, portanto, se faz necesshio para a construq80 da identidade do "Ser Surdd', sendo um &ago proprio do povo surdo, tornando possivel a express50 das subjetividades. Para completar, cito Moura (2007): Podemos ver agora festas e m que a cultura Surda 4 levada e m conside- ra~do. Podemos presenciar belas representa~des de teatro e m lingua de sinais. Podemos perceber a uni6o dos Surdos e de seus familiares e m torno de quest6es comuns a todos os individuos de uma sociedade: educapio e cidadania. E um belo inicio e esperemos que colha mais e melhores frutos no futuro. Outro aspecto importante a ser considerado 6 que, cada vez mais, os Surdos passam a ser respons6veis pelos atos p~iblicos e as delibera~des que vdo fazer a diferenca na vida de muitos Surdos no futu- ro: e o Surdo se responsabilizando e sendo o estandarte de sum pr6prias reivindica~des.~ A cultura surda 6 profunda e ampla, ela permeia, mesmo que n5o a perceba- mos, como sopro da vida ao povo surdo com suas subjetividades e identidades. Podemos senti-la em sua essencia nas comunidades surdas! Utilizo a lingua dos ouvintes, minha segunda lingua, para expressar mi- nha certeza absoluta de que a lingua de sinais t nossa primeira lingua, a nosku, aquela que nos permite sermos s e ra humanos "comunicadores". Para dizer, tambem, que nada deve ser recusado aos surdos, que todas as linguagens podem ser utilizadas, sem gueto e sem osh-acismo, a fim de ser ter acesso d vida. (LABORIT, 1994, p. 9) Mesmo que existam os diferentes grupos culturais, cada grupo n5o vive isolado, em seu mundo particular, mas sim todos os grupos convivem e passam por conflitos em emaranhado de rela~des. E 6 por isso que todo grupo cultural, dentro de suas peculiaridades deve aprender que n5o ha ninguem melhor que ninguem, mas sim de sujeitos diferentes que devem ser considerados coletivamente com todas as suas singularidades. Bsas particularidades n5o devem ser ignoradas, e sim reconhecidas no &mbito da identificaggo pessoal e cultural! Fonte: http://sentidos.uol.com.br/canais/mate/g=2. AGUIAR, Silvana dos Santos. Intkrpretes de lingua brasileira de sinais: um estudo sobre as identidades. Florian6polis, 2006. Disserta&o (Mestrado em Educa&o) - Programa de P6s-Graduaq5o em Educaq50, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. ANDERSON,Yerker. The deaf world as a linguistic minority. In: S. Prillwiz & T. 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Na teoria p6s-moderna, Herder propde pluralizar a termina~bo "cultura", falan- do das culturas de diferentes nagties e periodos, bem como de diferentes culturas sociais e econ6micas dentro da propria na~bo (apud EAGLETON, 2005). 0 s autores pos-modernos enfatiiam as mdltiplas culturas e se dedicam a in- teragir de forma profunda no interior delas. Neste pensamento p6s-moderno, a I pluralidade encontra-se cruzada com a auto-identidade, em vez de se dissolver em identidades distintas. A humanidade, ao longo do tempo, adquire conhecimento atravds da lingua, crenGas, habitos, costumes, normas de comportamento dentre outras manifesta~6es. Partindo do suposto que cultura d a heran~a que o grupo social transmite a seus membros atravds de aprendizagem e de convivencia, percebe-se que cada gera~bo e sujeito tambdm contribuem para amplia-la e modifica-la. Considerar a questbo cultural no plural admite a multiplicidade de manifesta- g6es e grupos culturais das mais diversas naturezas tornando o conceito da cultura mais amplo. Conforme afirma Hall (1997), nas teorias do campo dos Estudos Culturai~,~ a cultura que temos determina urna forma de ver, de interpelar, de ser, de explicar e.de compreender o mundo. 0 s Estudos Culturais sbo originados da Inglaterra, depois se expandiram para os Estados Unidos e outros paises da Europa e da Amdrica Latina. 0 s Estudos Culturais formam um campo de pesquisa interdisciplinar para estudos na area da - 0 termo "hegemonia" deriva do grego "hegemon", que significa lider, guia ou quem dita as regras. No uso geral, refere-se ao domfnio e influencia de um pais sobre os oukos e a um principio segundo o qua1 urn grupo de elementos 6 organizado (EDGAR, A.; SEDGWICK, F? 2003, p. 151). "0 termo 'estudos culturais' pode ao mesmo tempo ser amplamente usado para se referir a todos os aspedos do estudo da cultura, e como tal ser tomado para incluir as diversas formas em que a cultura 6 compreendida e analisada I [...]" (EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter, 2003). I' As imagens do outro sobre a cultura surda Qual o conceito que trazemos sobre a cultura? cultura. Na sua agenda tematica est5o g2nero e sexualidade, identidades nacionais, a pos-colonialismo, etnia, politicas de identidade, discurso e textualidade, pbs-mo- dernidade, entre outros. De acordo com Culler, "[ ...I o projeto dos Estudos Culturais 6 compreender o funcionamento da cultura, particularmente no mundo modemo: como asprodu~6es culturais operam e como as identidades culturais sdo construidas e organizadas, para indiuiduos e grupos, num mundo de comunidades diuersas e misturadas [...I" (1999, p. 49). Ent50, nesse campo de Estudos Culturais, a cultura 4 urna ferramenta de trans- formasho, de percepgo a forma de ver diferente, n5o mais de homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser, de fazer, de compreender e de explicar. Essa nova marca cultural transporta para urna sensa~5o a cultura grupal, ou seja, como ela diferencia os grupos, no que faz emergir a "diferensa". Ap6s urna rapida aprecias50 das varias contribui~des teoricas trazidas para os conceitos da cultura, retomemos agora o process0 historic0 sobre o significado da palavra "cultura" . 0 vocabulo "cultura" vindo do latim significa o cuidado dispensado a terra cultivada; segundo Eagleton (2005) o conceito da cultura, etimologicamente ra- ciocinando, 4 proveniente do de natureza, sendo que um dos significados originais e "lavoura" ou "cultivo agricola". Isto mostra que o cultivo da linguagem e da identidade 6 0 , ent50, os elementos fundamentais de urna cultura. Dessa maneira, os elementos mais importantes da cultura podem ser destacados como as habilidades dos sujeitos para construir sua identidade em usar a linguagem. Ilustrando mais claramente, na "cultura", a palavra natureza significa tanto o que esta a nossa volta como o que esta dentro de nos. Poderiamos usar a metafora de urna semente que 4 plantada em solo e cresce urna bela planta; mas isto n5o ocorre sem a ajuda da natureza, ou seja, do sol, da chuva, do vento, do fertilizan- te do solo, que faz a semente reagir e desenvolver. A semente que esta sozinha sem ademso da natureza, n5o cresceria urna vez que estaria abandonada e apo- drecendo. 1 a cultura torna possivel a transformas50 da natureza" (CUCHE, 2002, p. 10). Da mesma forma, um ser humano, em contato com o seu espaso cultural, re- age, cresce e desenvolve sua identidade, isto significa que os cultivos que fazemos I 1 s5o coletivos e n50 isolados. A cultura n5o vem pronta, dai porque ela sempre se modifica e se atualiza, expressando claramente que 1150 surge com o homem sozinho e sim das produ~des coletivas que decorrem do desenvolvimento cultural experimentado por suas gerasdes passadas. "A cultura permite ao homem n5o somente adaptar-se a seu meio, mas tamb4m adaptar este meio ao proprio homem, a suas necessidades e seus projetos. Em suma, Capitulo 2 0 s surdos t6m cultura? '3eito surdo de ser, de perceber, de sentir, de vivenciar, de comunicar, de transformar o mundo de mod0 a torn6-lo habitduel. " I (Gladis Perlin) I 56 discorremos sobre os variados conceitos te6ricos culturais, vamos refletir a seguir sobre o que vem ser a cultura surda. As pessoas se espantam e questionam com perguntas corno: os surdos tem cultura? Como pode haver uma cultura surda? Sera que nas festas dos surdos ha musicas? Em rela~iio a essas dlividas, Magnani (2007) argumenta: "[ ...I experiencia com os surdos era como a da maioria das pessoas, a de alguma vez ter uisto duas pessoas conversando por meio de sinais, sem prestar maior atengdo - o olhar ndo treinado ndo vai al6m do que o senso comum regi~tra".~ Estes questionamentos ocorrem porque as pessoas niio conhecem e niio sabem como 6 o mundo dos surdos e fazem suposi~bes errbneas acerca de povo surdo. Quando a palavra "surdo" 6 mencionada, que imagens v8m a mente das pessoas? Lane (1992, p. 26) explica que 6 comum as pessoas deduzirem que os surdos vivem isolados e que para se integrar 6 preciso adquirir a cultura ouvinte isto e, para viver "normal", segundo a sociedade 6 preciso ouvir e falar: Ao imaginar como 6 a surdez, eu imagino o meu mundo sem som - um pensamento aterrorizador e que se ajusta razoavelmente ao estere6tipo que Fonte: http://www. n-a-u. org/AntropologiaUrbanadesafiosmetropole. him1 p I' As imagens do outro sobre a cultura surda 0s surdos t@m cultura? projetamos para os membros da comunidade dos surdos. Eu estaria isolado, desorientado, incomunichuel e incapaz de receber comunicapio. Estas representaqbes imaginarias estfio equivocadas, os povos surdos n5o vivem isolados e incomunicaveis, simplesmente os sujeitos surdos tern seus modos de agir diferente de sujeitos ouvintes, confira o relato de Magnani (2007) ao se deparar com os sujeitos surdos em urna festa junina na comunidade surda: Foi urna experihcia diferente: entrei na festa e de repente me vi no meio de cerca de dois mil surdos - eu nunca tinha uisto tantos surdos juntos - e ali eu 6 que era o estranho! N8o falaua como eles, n8o entendia o que diziam, sentia-me caminhando por urna tribo cuja lingua eu n8o conhe- cia, cujos costumes me eram alheios. Sequer sabia qua1 era a etiqueta: como 6 pedir desculpas, na lingua de sinais, quando a gente esbarra em algu6m? No inicio, essa dificuldade causou um certo constrangimento, mas logo comecei a circular no meio deles e a apreciar outras formas de contato e sociabilidade que, se eu n8o podia decodificar atrau4.s daquela lingua, porque eu n80 a dominaua, podiam ser entendidas por meio de outros ~6digos.~. 0 s sujeitos ouvintes v2em os sujeitossurdos com curiosidade e, as vezes, zombam por eles serem diferentes. Wrigley (1996, p. 71) explica que a politica ou- vintista5 prevaleceu historicamente dentro do modelo clinic0 e demonstra as taticas de atitude reparadora e corretiva da surdez, considerado-a como defeito e doenqa, sendo necessario de tratamentos para "normaliza-la": [...I surdos s8o pessoas que ouuem com ouuidos defeituosos. Se pud4.s- semos consertar os ouuidos, eles estariam ouuindo. Esta Iogica comum na uerdade 6 comum, mas n8o necessariamente Iogica. 0 s negros s8o pessoas brancas que possuem pele escura. Se pudhemos consertar a pele, eles seriam brancos. As mulheres s8o homens com genithria erra- da ...; e por ai uai. Essas transposi~6es cruas reuelam um tecido social de prhticas pelas quais n6s sabemos quais identidades s8o tanto disponiueis quanto aceithueis. Aporilo aqui um exemplo de urna famflia ouvinte de urna surda que foi levada ao medico com a esperanqa de ter possibilidade de fazer urna cirurgia para a "cura" . I Fonte: http://www. n-a-u. org/AntropologiaUrbanadesafiosmei~opole. hhnl Ouvintista: segundo Skliar, "6 um conjunto de representagbes dos ouvintes, a partir do qua1 o surdo esta obrigado a I olharse e narrar-se como se fosse ouvinte". (1998, p. 15) de sua "surdez" e o medico alegou que nfio poderia operar devido as alergias no sistema nervoso da menina surda: Voltamos para casa e ao chegar comeCou aquela choradeira de novo, e eu mais urna vez sem entender por que todos tinham que chorar, Angela tentaua me explicar que as pessoas estavam tristes por que eu n80 poderia ouuir como urna pessoa ouvinte. Foi muito dificilpara eu entender o que acontecia com eles. (VILHALVA, 2001 p. 26). Para essa comunidade ouvinte, o nascimento de urna crianqa surda e urna catastrofe porque estfio acostumados com padrfio L'normalizador" para integrar a vida social e tambem desconhecem o "mundo dos surdos". Por outro lado, na maioria das vezes, o povo surdo acolhe o nascimento de cada crianqa surda como urna dadiva preciosa e nfio agem como os pais ouvintes que sofrem exagerada- mente o desapontamento inicial de gerarem seus filhos surdos, isto e evidenciado nas varias geraqbes de famflias com todos Js membros surdos. Voltando ao assunto, segundo o discurso ouvintista, o sujeito surdo para estar bem integrado a sociedade, deveria se adaptar a cultura ouvinte, porque somente assim poderia viver "normalmente". Se nfio conseguir, e considerado "desviante", conforme o fato ocorrido com a professora surda Teresa: [...I sabia falar, graGas a terapia de fala, desde os 4 anos de idade e por ser filha de pais ouvintes e ter seguido, desde muito cedo, a oralidade. No entanto, a minha pronlincia era defeituosa. As rea~bes dos alunos, alguns a rirem e outros atrapalhados, atingiram-me em cheio como se fossem balas. foi por um triz que n8o fugi porta fora. Abri a tempo o meu escudo invisivel. EIes acabariam por se habituar a minha fala, era s6 urna quest80 de tempo. (OLNEIRA, 2007).6 Al6m disso, ha os discursos social que veem sujeitos surdos como incapazes e deficientes, cito dois acontecimentos recentemente: eu junto de um grupo de alunos surdos que passaram vestibular para LetraslLibras conversar com uma assistente social da universidade para verem alojamento para eles, elucidei a ela que sou doutoranda e eles alunos da gradua~do e finalizei explicando o motivo de estar 16, a assistente social pegou papel para fazer cadastro e perguntou para nos: "vocb sabem ler?", abismada expliquei de novo que sou doutoranda e eles tem Fonte: http://profsurdogoulao. blogspot. c o d * f As irnagens do outro sobrea cultura surda 0s surdos tern cultura? graduaqdo, ela repetiu a pergunta ... lrritei-me: "pensa que somos analfabe- ' ~ o s ? " ~ Um sujeito surdo foi a uma consulta medica, o medico fezperguntaspara escrever o histbrico da vida dele: ''qua1 o seu grau de instruqdo?" 0 paciente surdo respon- deu que estaua fazendo mestrado, mgdico articulou abismado: "voc&? Mestrado?" como se ndo acreditasse da resposta. Que tip0 de representaqdo social o medico tem de sujeitos surdos? Seres que ndo sdo capazes de estudarem e fazerem mestrado? Dentro do povo surdo, os sujeitos surdos n5o diferenciam um de outro de acor- do com grau de surdez, e sim o importante para eles k o pertencimento ao grupo usando a lingua de sinais e cultura surda que ajudam a definir as suas identidades surdas, menciono um fragment0 da dissertaqgo do pesquisador surdo Miranda (2001, p. 8): Sou surdo! 0 meu jeito de ser jh marca a diferenp! [...I Ser surdo, viuer nas diferentes comunidades dos surdos, conhecer a cultura, a lingua, a histbria e a representa~do que atua simbolicamente distinguindo a n6s surdos e a comunidade surda k uma marca~do para sustentar o tema e m questdo. Cultura surda 6 o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modifica-lo a fim de se tornblo acessivel e habitavel ajustando-os com as suas percep~bes vi- suais, que contribuem para a definiq50 das identidades surdas8 e das "almas" das comunidades surdas. Isto significa que abrange a lingua, as idkias, as crenqas, os costumes e os habitos de povo surdo. Descreve a pesquisadora surda: 1.. .] As identidades surdas sdo construidas dentro das representa~6es possiveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo corn o maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa re- ceptividade cultural, tambkm surge aquela luta politica ou consci&ncia oposicional pela qua1 o individuo represents a si mesmo, se defende da homogeneiza~do, dos aspectos que o tornam corpo menos habitbvel, da sensa~do de invalidez, de inclusdo entre os deficientes, de menosvalia social. (PERLIN, 2004, p. 77-78) ' 0 s exemplos citadas nas hases em italic0 no transcurso dos textos do atual livro, na maioria das vezes s&o os meus pr6prios depoimentos das experiencias vivenciadas e vistas na cornunidade surda durante a trajet6ria da minha vida como "ser surda". Para saber mais, ler a respeito das identidades surdas em PERLIN, Gladis T. T. ldentidades surdas. In Skliar Carlos (org.) A Surdez: urn olhar sobre as diferen~as. Porto Alegre: Editora Media@o, 1998 0 essencial 6 entendermos que a cultura surda 4 como algo que penetra na pele do povo surdo que participa das comunidades surdas, que compartilha algo que tem em comum, seu conjunto de normas, valores e de comportamentos. 0 que e quais seriam estas normas e valores que tanto fazemos referencia neste livro? Por que os sujeitos surdos se comportam difefente dos sujeitos ouvintes? Antes de refletirmos sobre estes questionamentos, primeiro gostariamos de abordar como a cultura surda 4 transmitida. Devido As proibiq6es de compartilhar uma lingua cultural do povo surdo em resultado emitido pel0 Congresso Internacional de Educadores de Surdos ocorrido em Milgo, na Italia, no ano de 1880, o uso de-lingua de sinais foi definitivamente banido a favor da metodologia oralista nas escolas de surdos. As crianps surdas n5o podiam participar nas comunidades surdas e, inicialmente, I os espaqos compartilhados eram os dormit6fios das instituiqges e asilos, onde os su- jeitos surdos eram entregues pelas familias em regime de internato, at4 que estivessem aptos para retornar para o convivio familiar, o que, invariavelmente acontecia no inicio da idade adulta, assim como citam Padden e Humphries (2000, p. 6): Nos dormitbrios, distantes d o controle estruturado da sala d e aula, as crian~as surdas sdo introduzidas a vida social das pessoas Surdas. No ambiente informal d o dormitbrio aprendem ndo somente a lingua de sinais mas o contelido da cultura. Desse modo, as escolas tornam-se centros d e atividades das comunidades que as cercam, preservando a prbxima gerapio a cultura das gera~6es anteriores. Muitas vezes o process0 de transmiss20 cultural de surdos ocorre com muitos sujeitos surdos somente na idademais avanqada, ja adultos, porque a maioria dos surdos tem famflia ouvintes, ou pela imposiq20 ouvintista nem freqiientam as escolas de surdos e ficam sem contato por muito tempo com a comunidade surda. As comunidades surdas no Brasil t8m uma longa hist6ria. 0 povo surdo brasi- leiro deixou muitas tradi~6es e hist6rias em suas organizaq6es. Estas organizaq6es iniciaram diante de uma necessidade do povo surdo ter um espaqo para se reunir e resistir contra as praticas ouvintistas que n5o respeitavam sua cultura. Essas organi- zaqbes - as associaq6es de surdos, federaq6es de surdos, igrejas e outros - tambdm I' As imagens do outro sobre a cultura surda 0s surdos tern cultura? Alunos surdos eram internos nesta escola, onde que nos dormitorios longe das vigilincias, aprendem nio somente a lingua de sinais, mas tambem o contetjdo da cultura. (Foto do acervo INES) tiveram e tem o papel importante que 6 a transmissiio cultural, esportiva, politica, religiosa e fraternal pelos povos surdos. A cultura surda exprime valores, crenqa que, muitas vezes, se originaram e foram transmitidas pelos sujeitos surdos de gera~iio passada ou de seus lideres surdos bem sucedidos, atravks das associa~des de surdos. Infelizmente, elas niio siio procuradas pela familia que procuram as escolas primeiro, porque elas oferecem aos surdos o modelo ouvinte pr6xim0, isto 6, "normais", perante a sociedade ouvintista: [...I 0 s pais, entretanto, estdo numa fase de crise e d pouco prouhuel - - que sejam criticos relatiuamente aquele ponto de vista. Se o profis-sional descreuesse a comunidade dos surdos, tal descri~do seria em termos tdo concisos que na realidade os pais ndo ueriam uma alternatiua para o esta- tuto e destino da sua crianp. 0 especialista profissional e ospaispartilham, geralmente, a mama cultura dos ouuintes [...I. (LANE, 1992, p. 38). Ha grandes diversidades das comunidades surdas e cada grupo 6 organizado de maneiras diferentes de acordo com os mesmos interesses dentre eles, tais como a raGa, religigo, profissao e outras caracteristicas distintivas, assim como assevera o autor americano Wilcox: "Embora o termo cultura surda seja usado frequente- mente, isso n8o significa que todas as pessoas surdas no mundo compartilhem a mama cultura" (2005, p. 78). Isto significa que, al6m das varias associagdes de surdos ja existentes espalhadas em muitos lugares no mundo, ha, em Buenos Aires (Argentina), a associagiio dos surdos oralizados, em Estados Unidos a associaggo dos surdos negros, no Brasil a associa~des de surdos gays, comunidade dos surdos implantadosg e outros. Ao afirmarmos que os surdos brasileiros sdo membros de uma cultura surda ndo significa que todas qspessoas surdas no mundo compartilhem a mama cultura simplesmenteporque elas ndo ouuem. Ossurdos brasileiros sdo membros da cultura surda brasileira da mama forma que os surdos americanos sdo membros da cultura surda norte-americana. Esses grupos usam lfnguas de sinais diferentes, compartilham experigncias diferentes e possuem diferentes experi6ncias de vida. (KARNOPe 2006, p. 99) Surdos com Implante Coclear. Povo surdo ou comunidade surda? "...urn povo acontece quando as pessoas se unem em torno de um mesmo sonho. E precis0 devolver ao povo a capacidade de' sonhar para que ele volte a ser povo" (Santo Agostinho) Este capitulo proporciona o conhecimento da diferencia~go basica e de supra importiincia entre comunidade surda e o povo surdo. Pois a elucida~bo dessas duas express6es: "comunidade surda" e "povo surdo" 6 um pensamento influente que esta se sobrepondo a qualquer outra explica$io, sendo referzncia e de interesse hs pesquisas cientificas e historicas, bem viva nos tempos atuais. E uma inquieta~bo em que muitos sujeitos tentam entender os muitos caminhos , que conduziram os grupos de sujeitos surdos hs suas rela~bes culturais presentes, I marcados por vis6es diferentes de organiza~Bo de seus movimentos. Muitos autores conceituam "comunidade surda" de forma ampla e variada. i 0 conceito, algumas vezes, tem sido usado como sinbnimo de grupos de surdos I que participam nas associa~6es, escolas e outras localiza~6es. EntSo porque alguns I autores citam "comunidade surda" enquanto outros citam "povo surdo"? A verdade 6 que muitos ja escreveram sobre comunidade surda elou povo surdo, e, no entanto, continuamos a fazer as mesmas perguntas. 1( As imagens do outro sobre a cultura surda Povo surdo ou comunidade surda? Primeiro vamos refletir os conceitos dessas duas palavras, segundo dicionhio a Houaiss, o conceito da "comunidade" seria: [...I conjunto de habitantes de um mesmo Estado ou qualquergrupo social cujos elementos uiuam numa dada area, sob um gouemo comum e irmana- dos por um mesmo legado cultural e historico. [...I conjunto de indiuiduos que utilizam o mesmo idioma. I...] Agrupamento de pessoas que, num period0 especffico do tempo, usam a mama lingua ou o mesmo dialeto; essa comunidade pode coincidir com urna nacdo, se esta for monolingue, ou pode ser o conjunto de pouos que tem urna lingua em comum, ou gru- pos regionais, profissionais, etc. [...I conjunto de indiuiduos que, em razdo de fatores de natureza social - geogrhficos, historicos, culturais, raciais, etc. - t&m em comum certas caracteristicas que os distinguem de outros grupos no mesmo meio e na mama ocasido. (HOUAISS, 2005).1° E o conceito de "povo" seria: [...I conjunto de pessoas que falam a mama lingua, t&m costumes e inte- resses semelhantes, historia e tradic6es comuns. [...I conjunto de pessoas que uiuem em comunidade num determinado territ6rio; nacdo, sociedade [...I conjunto de indiuiduos de urna mesma ou de uhrias nacionalidades, agrupados num mesmo Estado. [...I conjuntos de pessoas que ndo habitam o mesmo pais, mas que estdo ligadas por urna origem, sua religido ou qualquer outro lace. (HOUAISS, 2005).11 EntSo se o povo surdo 4 grupo de sujeitos surdos que usam a mesma lingua, que tkm costumes, histbria, tradiqdes comuns e interesses semelhantes, entSo o que seria a comunidade surda? Para os autores surdos americanos, Padden e Humphries (2000, p. 5), Uma comunidade surda 6 um grupo de pessoas que uiuem num determi- nado local, partilham os objetiuos comuns dos seus membros, e que por diuersos meios trabalham no sentido de alcan~arem estes objetiuos. Uma comunidade surda pode incluir pessoas que ndo sdo elas proprias Surdas, mas que ap6iam atiuamente os objetiuos da comunidade e trabalham em conjunto com as pessoas Surdas para os alcan~ar. Continuando com os mesmos autores, Padden e Humphries (2000, p. n5) estabeleceram urna diferen~a entre cultura e comunidade: lo Fonte: http://houaiss. uol. corn. brbusca. jhtm?verbete=cornunidade&stype=k. l1 Fonte: http://houaiss. uol. corn. brbusca. jhtm?verbete=povo&x=15&y=ll&stype=k. [...] urna cultura e um conjunto de comportamentos apreendidos de um grupo de pessoas que possuem sua propria lingua, ualores, regras de comportamento e tradicdes; urna comunidade B um sistema social geral, no qua1 um grupo de pessoas uiuem juntas, compartilham metas comuns e partilham certas responsabilidades umas com as outras. Conforme Padden e Humphries (2000), na comunidade surda tambkm pode haver sujeitos surdos e ouvintes. Ja os membros de urna cultura surda comportam-se como sujeitos surdos e compartilham entre si das crenps de sujeitos surdos, sendo estes membros pertencentes ao povo surdo. EntSo entendemos que a comunidade surda de fato nSo 6 s6 de sujeitos surdos, ha tambkm sujeitos ouvintes- membros de famflia, intkrpretes, professores, amigos e outros- que participam e compartilham os mesmos interesses em comuns em urna determinada 1ocalizaqSo. I Em que lugares? Geralmente em assoc?aqSo de surdos, federaqdes de surdos, igrejas e outros. Surdos ... Urn povo? Que tipos de povo seriamos nos? Quando pronunciamos "povo surdo", estamos nos referindo aos sujeitos surdosque nSo habitam no mesmo local, mas que estho ligados por urna origem, por um c6digo dtico de formaqSo visual, independente do grau de evoluqho lingiiistica, tais como a lingua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laqos. Se urna lingua transborda de urna cultura, 6 um mod0 de organizar urna realidade de um grupo que discursa a mesma lingua como elemento em comum, concluimos que a cultura surda e a lingua de sinais seriam urna das referkncias do povo surdo. Agora que ja sabemos o conceito de povo surdo e comunidade surda, separada- mente, refletiremos agora a diferenqa entre ambos. Para urna compreensSo melhor citarei exemplo de diferen~a de outro tip0 de comunidade e povo: a comunidade alemS e o povo alemho. As comunidades alemSs no Brasil seriam as col6nias situadas em Santa Ca- tarina ou Parana, onde eles tkm escolas alemhs, cultura alemS e lingua alemh e o povo seriam os imigrantes alemhes espalhados pel0 Brasil, que nho habitam no mesmo local, mas que estho ligados por urna origem, tais cqmo a lingua alemh, L $2 0 ucrE s -- 2 8 0 u 4 .!! 0,-8 u u a, E 4% .: 3 0 224 ." '5 \8 -c E2 M ?p& lg, g 0 .o 8 -o u a, '- 6 3 ." 5 .o Qj L.!!-o 2 8% &8;4G 2:s E-g 5% 2.; E 4'9; $PSE 3uru :; d s 6 8 ,B -g '5 EZO." -cQa -w,o E C-o a, 4 As imagens do outro sobre a cultura surda Povo surdo ou comunidade surda? costumes dospovos, fazendo com que os diferentes se fundam ao context0 s6cio-historico e se tornem nada mais e nada menos do que sempre foram ndo so aos olhos da natureza, mas tambdm aos olhos daquilo que todas religides definem com Deus: iguais. (2001, p. 39-40) Quando estamos descrevendo sobre os sujeitos surdos que vivem no Brasil, que usam a mesma lingua de sinais do Brasil, que t6m costumes, historia, tradiq6es comuns e interesses semelhantes estamos nos referindo ao Povo Surdo do Brasil! Nos, brasileiros, somos um pouo em ser, impedido de s&-lo. Um pouo mesti~o na carne e no espirito, ja que aqui a mesti~agem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de natiuos uiueu por sdculos sem consci&ncia de si ... Assim foi at6 se definir como uma nova identidade dtnico-nacional, a de brasileiro s... (RIBEIRO, 2005) Assim, para finalizar, o povo surdo s5o sujeitos surdos que compartilham os costumes, historia, tradiq6es em comuns e pertencentes 21s mesmas peculiaridades culturais, ou seja, constroi sua conceps5o de mundo atraves do artefato cultural visual, isto e, usuarios defensores do que se diz ser povo surdo, seriam os sujeitos surdos que podem n5o habitar no mesmo local, mas que est5o ligados por um codigo de formaq5o visual independente do nivel lingiiistico. 0 que sucede e que quando os sujeitos surdos est5o em comunh5o entre eles, e quando compartilham suas metas dentro da associaqho de surdos, federa@es, igrejas e outros locais da o sentido de estarem em comunidades surdas. Nos, o povo surdo, queriamos a oficializa~do da nossa lingua de sinais, entdo para conseguir isto, muitas comunidades surdas brasileiras se reuniram e elaboraram esta lei e com isto foi oficializada a Lei da LIBRAS n. 10. 436, de 24 de abril de 2002 que beneficia ao pouo surdo brasileiro. 0 "pouo" surdo d alegre. Taluez porque tenha havido muito sofrimento em sua infhncia. Eles t&m prazer em se comunicar e se alegram sempre. Em um patio de recrea~do ou em um restaurante, um grupo de surdos que falam d algo incriuelmente uivo. Falamos, falamos, exprimimo-nos Zls uezes durante horas. Como se tiukemos uma sede inesgothuel de dizer as coisas, das mais superficiais as mais sdrias. 0 s surdos teriam me chamado de "Flor que chora", caso eu ndo tiuesse tido acesso 6 sua comunidade lingiiistico. A partir dos sete anos tomei-me fahnte e luminosa. A lingua de sinais era minha luz, meu sol, ndo pararia mais de me exprimir, aquilo saia, sofa, como uma grande abertura em dire~do a luz. Ndo conseguia mais parar de falar com as pessoas. Tomei-me "0 sol que vem do cora~do". Era um belo sinal. (LABORIT, 1994, p. 75) 0 s artefatos culturais do povo surdo Conhecer o mundo pela visa0 significa, ainda, desenvolver urn c6digo visual corn o qual os surdos , associam significado e significante a partir das informaq6es visuais que extraem do meio. (Sandra Patricia de Farias) Retomando as reflexbes questionadas: o que e quais seriam estas normas e valores do povo surdo e por que os sujeitos surdos se comportam diferente dos sujeitos ouvintes? E com isto, trazemos a baila alguns "artefatos culturais" que sZo as peculiaridades da cultura surda. 0 que seriam artefatos culturais? A maioria dos sujeitos est5o habituados a apelidar de "artefatos" os objetos ou materiais produzidos pelos grupos culturais, de fato, n5o s5o s6 formas individuais de cultura materiais, ou produtos definidos da I m5o-de-obra humana; tambkm podem incluir "tudo o que se v& e sente" quando se est6 em contato com a cultura de uma comunidade, tais como materiais, vestuario, 1 maneira pela qua1 um sujeito se dirige a outro, tradiq6es, valores e normas, etc. ~ Segundo constatamos em diversos autores nos campos dos Estudos Culturais, o conceit0 "artefatos" n5o se referem apenas a materialismos culturais, mas hquilo i que na cultura constitui produqbes do sujeito que tem seu pr6prio mod0 de ser, ver, entender e transformar o mundo. ~ Traqo comum em todos os sujeitos humanos seria o fato de que somos todos i artefatos culturais e, assim, os artefatos ilustram uma cultura,, - As irnagens do outro sobre a cultura surda 0 s artefatos culturais do povo surdo Vou citar alguns artefatos mais importantes que ilustram a cultura do povo , surdo isto 6, as suas atitudes do ser surdo, de ver, de perceber e de modificar o mundo. 4.1 Artefato culturalr erperi8ncia ui8ual 0 primeiro artefato da cultura surda 6 a experizncia visual em que os sujeitos surdos percebem o mundo de maneira diferente, a qual provoca as reflex6es de suas subjetividades: De onde viemos? 0 que somos? E para onde queremos ir? Qua1 6 a nossa identidade? Quando fazemos refergncia a identidade cultural, referimo-nos ao sentimento de pertencimento a urna cultura, isto 6 na intera~3o do sujeito surdo com a sua comunidade, assim como reflete Hall (2004), 6 a representa~go que atua simbo- licamente para classificar o mundo e nossas rela~bes no seu interior. Vou elucidar um exemplo de urna situa~3o ocorrida comigo: Uma vez meu namorado ouvinte me disse que iria fazer uma surpresa para mim pelo meu aniverstrrio; falou que iria me levar a um restaurante bem rom6ntico. Fomos a um restaurante escolhido por ele, era um ambiente escuro com velas e gores no meio da mesa, fiquei meio constrangida porque nfio conseguia acompanhar a leitura labial do que ele me falava por causa de falta de ilumina~fio, pela fumap de vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando musica que, sem poder escutar, me irritava e me fazia perder a concentra~tio por causa dos movimentos dos dedos repetidos de vai-e-vem com seu violino. 0 meu namorado percebeu o equivoco e resolvemos ir a urna pizzaria! Segundo Wilcox, o professor e escritor surdo americano, Ben Bahan propas que os sujeitos surdos comeGassem a ser chamadas de "pessoas visuais": Usando essa palavra eu me coloco na posi~go das coisas que eu posso fazer ao invks das que n&o posso fazer. Identificando-me como urna pessoa visual, isso explicaria tudo ao meu redor: os aparelhos TDDs, os decodificadores, as campainhas luminosas, a leitura labial e a emergkncia de urna lingua visual, a lingua de sinais americana (2005, p. 17). 0 s sujeitos surdos, com a sua aus6ncia de audi~iio e do som, percebem o mundo atrav6s de seus olhos, tudo o que ocorreao redor dele: deste os latidos de um cachorro - que 6 demonstrado por meio dos movimentos de sua boca e da express30 corporeo-facial bruta - at6 de urna bomba estourando, que 6 obvia aos olhos de um sujeito surdo pelas altera~6es ocorridas no ambiente, como os objetos que caem abruptamente e a fuma~a que surge; deste mod0 complementam autores surdos Perlin e Miranda (2003, p. 218): Experikncia visual significa a utiliza~iio da vis&o, em (substitui~20 total a audiqao), como meio de comunica@o. Desta experizncia visual surge a cultura surda representada pela lingua de sinais, pelo mod0 diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conhecimento cientifico e acad&mico. A cultura surda comporta a lingua de sinais, a necessidade do intbrprete, de tecnologia de leitura. Estas percepq6es visuais abrangem, atraves de express6es faciais e corporais, das atitudes dos seres vivos e de objetos em diversas circunstbncias. De minha vida surda cotidiana, escolho outro episodio que ocorreu comigo para a melhor compreensso da acepq6o deste artefato visual: Eu estava sentada em sala de aula, em urna classe com outros alunos ouuintes, 'blhando" distraidamente para os movimentos dos ltrbios da professora que estaua falando; de repente, a professora parou subitamente de mouimentar os lirbios e virou o rosto assustado para a janela. Percebi que toda a turma fazia o mesmo e todos correram para olharpela janela. Eu, meio desnorteada e curiosa, fiz o mesmo para ver o que provocou toda a algazarra da turma e percebi tardiamente que tinha I acontecido uma batida de carro Itr fora. Faqo menq5o de outro exemplo parecido, referentes a experigncia visual de urna crian~a surda ilustrado no livro "Surdo na Amkrica: Vozes de urna Cultura" pelos autores surdos Padden e Humphries (2000, p. 21): [...I Jim sentado numa sala pr6ximo de urna porta. De repente sua mge aparece, caminhando propositadamente at6 a porta. Ela abre a porta, e ha urna visita aguardando na entrada. Mas se a crian~a abrir a porta num outro momento, 6 provavel que nenhuma visita esteja la. Como a crian~a, que n&o ouve a campainha, entende qual 6 o estimulo para o provavel comportamento de abrir a porta e encontrar algukm awardando la? As imagens do outro sobre a cultura surda 0 s artefatos culturais do povo surdo Poderiamos citar varias ocorrgncias com criansas surdas que nbo tgm contato com sujeitos surdos adultos e nem com a comunidade surda. Citarei ca um ocorrido em especial com esta criansa surda, que corno quaisquer outras criansas, enchem seus pensamentos de curiosidades e dlividas sobre tudo o que acontece ao seu redor, s6 que, corno ela 4 a dnica surda e todos os membros da famflia sbo ouvintes, muitas vezes, as suas curiosidades nbo sbo satisfeitas pela barreira de comunicasbo. Entbo pode acontecer que ela comece a se questionar com estas dlividas: Eu vou crescer? Eu vou ser adulta? Eu vou morrer cedo? lsto acontece porque a criansa surda sabe que ela 6 diferente das outras pes- soas que ouvem, ela dirige seu 'blhar" ao seu redor na vida cotidiana, ela v& que tem vizinhos ouvintes, criansas ouvintes, balconistas ouvintes, policiais ouvintes, i professores ouvintes, medicos ouvintes, pessoas de famflia ouvintes, at6 os bichos sbo ouvintes e ela propria 6 diferente. E corno ela nunca viu um adulto surdo a I quem possa ter um vinculo identificatorio, ela pode chegar a conclusbo de que vai morrer, ja que nbo existem adultos surdos. E complexo para estas criansas surdas que nbo tgm acesso as informasbes roti- , neiras pela barreira de comunica~bo, assim corno o sueco lingiiista surdo afirma: Se os surdos t&rn contato corn a lingua de sinais desde cedo; assirn a crianca surda poderia sentir corno as outras crian~as, fazer perguntas e obter as respostas, ou seja, a curiosidade da crian~a surda sera satisfeita rnuitas vezes e ter6 rnaior acesso 6s inforrnaq5es. (WALLIS, 1990, p. 16) Mais uma vez, cito uma experisncia visual durante minha infdncia surda: i Uma uez a empregada dom6stica estaua lauando o quintal no fundo de casa e eu ficaua sentada obseruando a hgua suja de lama e sabiio correndo at6 o bueiro. No meio data sujeira estaua um bicho estranho de mais ou menos de uns seis centimetros que estaua morto. Assustei-me porque o associaua com o bicho que ui na televisiio noutro dia, jacar6 enorme que comia as pessoas e tiue muitas noites de insbnias com medo da existgncia deste bicho no nosso quintal e que uiria me pegar e me comer. S6 agora eu entendo que niio era jacar6 e sim simplesmente uma lagartixa. Niio hauia ningu6m que me informasse sobre isto. ]Isto mostra a necessidade de refletirmos com seriedade na importdncia de trazer as criansas surdas ao contato com surdos adultos para criarem um vinculo identificatorio cultural, a fim de evitar que esta habitual duvida surgida com o 'blhar" ao seu redor na vida cotidiana possa pesar nas suas reflexbes e provocar futuras anglistias e ansiedades. Afirmam Freeman, Carbin e Boese: 'tAs pessoas surdas ugem o mundo de maneira diferente, em alguns aspectos, porque suas vidas siio diferentes. Enquanto as criangas surdas uiio amadurecendo, elas n6o encontram modelos satisfatorios dentro de sua familia". (1999, p. 222) Este contato criansa surda X adultos surdos, atraves de urna lingua em comum, que e a lingua de sinais, 6 que proporcionara o acesso a linguagem e desta forma, estara tambem assegurada a identidade e a cultura surda, que 6 transmitida naturalmente a criansa surda em contato com a comunidade surda. 0 s autores surdos Padden e ~ u m ~ h r i e ~ (2000, p. 22) explicam que pode haver interpreta~bes diferentes de urna mesma situa~bo, dos sujeitos surdos e ouvintes; 0s sujeitos surdos interpretam visualmente, enquanto os sujeitos ouvintes estbo mais voltados para a audisbo: Urna colher cai e provoca urn sorn quando bate no chdo. AlguCrn a junta, mas ndo sirnplesrnente por que ela prouocou urn sorn mas porque saiu fora de vista. Ofazendeiro sai para ordenhar as vacas ndo sornente por- que elas fazern barulho, mas porque C o arnanhecer, a hora reservada para ordenhar. Muitas vezes a sociedade dificulta a participasgo dos sujeitos surdos, deixando de colocar muitos recursos visuais que promovem suas acessibilidades em varios espasos. Cito urna situasgo narrada pela surda em urna agencia de banco onde, pela falta de um painel que ilustra o numero das senhas da fila para atendimento, a funcionaria esqueceu de que havia urna pessoa surda aguardando para ser atendida: Cheguei ao banco e peguei a senha de prioridade, avisei a mop do caixa, pois nco tinha painel para ver a charnada, fiquei aguardando sentada no local reservado e fui vendo que ela ia charnando as pessoas e nada de chegar rninha vez. De repente, levantei e disse para a mop do caixa: mop, rneu nurnero k 54. Ela disse: Oh! Desculpe esqueci-me de voc& e j6 passararn rnuitos nurneros, fica ai do lado que logo te atendo. (SHIRLEY VILHALVA) l3 I' As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo Quando tem mudanqas de horarios ou de locais de 8nibus ou avi6es sendo anunciados pel0 microfone, os sujeitos surdos geralmente os perdem por ngo terem avisos escritos, como em um episodio que ocorreu comigo: Eu estava retornando para minha cidade num avido que desceu em Sdo Paulo para urna conexdo com outro avido, 16 no Aeroporto de Guarulhos - SP; apelei para o atendimento especial porque o aeroporto era muito grande e hauia poucos recursos visuais que facilitassem a minha acessibilidade e com isto eu perdia muitas informa~6es ditaspelo alto-falante. Entdo a moGa do atendimento especial me deixou na sala vip, alegando que o meu avitio estava atrasado. Fiquei esperando 16 na sala sozinha cerca de 4 horas seguidas e, quando algukm apareceu na sala e me uiu la, perceberam que esqueceram de mim e o meu avido ja tinhaido ha 3 horas. Tem algumas atitudes acerca da percepqgo visual entre os sujeitos surdos, por exemplo, durante a conversa ficar de frente a frente 6 urna circunsthncia muito va- lorizada pelo povo surdo, ngo importando a disthncia, por isso eles evitam virar as costas enquanto estgo em interaqgo; se isto ocorre e considerado como insult0 ou desinteresse. Tambdm quando estgo conversando distantes um de outro e alguem "corta" neste espaqo visual ficando de obstaculo no meio, 6 considerado urna grave falta de educa@o para a comunidade surda. Tem ocasi6es quando os sujeitos surdos perdem seu campo visual, por exemplo, quando apagam a luz ficam desnorteados e em apuros [...I um grupo de surdos, do qua1 eu fazia parte, foi uisitar uns arnigos. I...] a luz do corredor apagou-se. [...I comeCou o panico. Ndo sabiarnos onde se encontrava o interruptor daquele andar e ndo podiamos combinar quem de n 6 deueria procura-lo. E se cada um de nos s t 6 esperando pelo outro para acender a luz? E s e eu ndo o fizer, e ninguem mais tambkm, por quanto tempo ficaremos nessa escuriddo? Parece que todos tiveram o mesmo pensamento e sairam a procura do interruptor. ~ r a m o s seis e ficarnos esbarrando uns nos outros, sem poder nos cornunicar. Essa situa- do acabou quando um morador entrou no prkdio, por acaso, e acendeu a IUZ. (STRNADOVA, 2000, p. 194) Eu trago urna situaqgo que ocorreu comigo: l3 Agradefo a Shirley Vilhalva pela conbibui@o de sua narrativa como exemplo para este livro. r' Durante urna viagem, fui ao banheiro dentro de Gnibus, o mesmo era de dois andares e o banheiro ficava embaixo. Fiquei presa dentro de banheiro, entrei em phnico, porque tudo era fechado sem janelas, era noite e ia demorar uns 3 horas para chegar ao meu destino e quando chegar, como avisar ao motorists que estou presa? E se me chamarem? Como poderei ouvir? Como posso "ver" se estdo me ouvindo e se estdo me chamando? E como vou explicar a eles se ndo posso "ver" a resposta deles? Bati com fo r~a na porta, esmurrei a porta com pontapd.. Fiz o maior barulho, achando que havia pessoas la fora me aguardando com curiosidade e tentando me ajudar. Depois de duas horas, consegui abrir a porta, e vi que ningukm percebeu que estava presa, e nem ouviram o meu barulho, sera que houve barulho ou era a minha irnagina~do? Voltando a expressgo facial e corporal, eles tambem podem desempenhar outro papel de suma importhncia na conversaqfiolem lingua de sinais como urna forma de transmissgo de mensagens atraves de um context0 que ngo procede da oralidade, mas do corpo e de expressao do rosto que funciona algumas vezes, como meio de reforqar urna ideia que esta sendo transmitida Por exemplo, para constituir tipos de frases na oralidade, percebe-se quando a frase esta na forma afirmativa, exclamativa, interrogativa, negativa ou imperativa atraves da entonaqgo da voz; no caso de lingua de sinais precisamos estar atento a express6es facial e corporal que sgo feitas simultaneamente com certos sinais ou com toda a frase. Inclusivamente os surdos oralizados14 tambem t6m este artefato cultural visual, a maioria deles se apoia na percepqgo visual para ler nos movimentos dos labios do interlocutor que articula as palavras e frases da lingua portuguesa. Eles formam movimentos para lutar pelos seus direitos de terem legendas em varios programas de televisgo e DVDs, mais um dos recursos visuais apelados por eles. 'Tharnamos de "surdos oraliados" aqueles que n i o convivern corn a comunidade surda e n io usam a lingua de sinais, estes se comunicam sornente atraves da fala, escrita e de leitura labial. Tarnbem quero ressaltar que tem rnuitos sujeitos surdos que convivem nas cornunidades surdas e usam lingua de sinais tambem sFio oralizados, para estes charnarnos de "surdos". I' ,. As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo 4.2 Arteiato culturalt lingCii$tico 0 segundo artefato cultural do povo surdo 6 o lingiiistico, a lingua de sinais e um aspect0 fundamental de cultura surda. No entanto incluem tambem os gestos denominados "sinais emergentes" ou "sinais caseiros"15 dos sujeitos surdos de zonas rurais ou sujeitos surdos isolados de comunidades surdas que procuram entender o mundo atraves dos experimentos visuais e se procuram comunicar apontando e criam sinais, pois ndo tern conhecimentos de sons e de palavras. Cito situasbes que ocorre com estes sujeitos surdos descritos acima: Um sujeito surdo em zona rural, isolado da comunidade surda e que nunca aprendeu a lingua de sinais, a falar ou escrever, sem ter a no~do de horas e dias de semana. , observa ao seu redor que tem um dia da semana em que asfrutas sempre sdo colhidas, o dia certo de ir a igreja, os dias em que o caminhdo vem pegar o lixo e de quando o sol aparece no horizonte e a hora de ordenhar e pegar ovos, etc. Ele acompanha esta rotina de acordo com o seu 'blhar" do dia-a-dia de sua vida e cria sinais que representam seu cotidiano. Para o sujeito surdo ter acesso as informaqbes e conhecimentos e para construir sua identidade 6 fundamental criar urna ligaqdo com o povo surdo em que se usa a sua lingua em comum: a lingua de sinais. A lingua de sinais 6 urna das principais marca da identidade de um povo surdo, pois 6 urna das peculiaridades da cultura surda, 4 urna forma de comunicasdo que capta as experiencias visuais dos sujeitos surdos, sendo que 4 esta lingua que vai levar o surdo a transmitir e proporcionar-lhe a aquisi~50 de conhecimento universal. Faso referencia, mais urna vez, a urna situasdo ocorrida comigo: em escola de ouvintes, albm de muitas outras disciplinas, eu tinha aulas de religiSio que ndo entendia muito, as iinicas coisas que sabia era que Deus era muito importante e, se morresse iria de ficar defrente com Ele, e isto me incomodava, me deixando muito ansiosa. Minha mde percebeu e me questionou, expliquei a ela atravbs de gestos e vocabularies isolados que, se eu morresse, corno Deus iria me entender? N6o sabia falar. Minha mde explicou que Deus entendia qualquer lingua. '"inais caseiros correspondem aos gestos ou construe0 simb6lica inventadas no ambit0 familiar, e comum a mnstitui@o de um sistema convencional de comunica@o entre mire-ouvinte e crianp-surda, a familia acaba lanpndo miro desse recurso apesar de muitas vezes niro aceitar a Lingua de Sinais por pensar que esta atrapalhara a aprendizagem da fala do seu filho. (ALBRES, p. 4, acesso em: 13 ago. 2007, h t t p : / / w . editora-arara-azul. corn. br/pdf/artigol5. pdf) Mas na verdade eu tinha urna lingua? Minha lingua era o portuguQ fragmentado e ininteligivel e gestos caseiros. Me apoio em Quadros: 'A lingua portuguesa ndo sera a lingua que acionara natu- ralmente o dispositivo devido, b falta de audi@o da crian~a. Essa crian~a ate podera vir a adquirir essa lingua, mas nunca de forma natural e espontenea, como ocorre com a lingua de sinais". (1997, p. 27). Quando um beb2 nasce surdo, ele desenvolve inicialmente as mesmas fases de linguagem que o bebe ouvinte: grito de satisfasdo, choro de dor e fome, emite sons sem significados ate mais ou menos seis meses de idade e quando chega a fase de balbucio 6 que comesa a ser diferenciado um do outro. Porque o bebe ouvinte, podendo ouvir os sons do ambiente ao redor de si tenta se comunicar emitindo sons, enquanto o bebe surdo, n5o ouve sons do ambiente e, por isto, as primeiras "palavra~~~ nbo surgem. ~onse~dentemente fica com a aquisisdo de Iin- 1 guagem atrasada e limitada por falta de continuidade e acesso aos conhecimentos I e informas6es externas.16 I Pelas pesquisas cientificas ja feitas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, comprovaram que as criansas surdas de pais surdos se saem melhor no desenvolvimento da linguagem que as outras criansas surdas de pais ouvintes. ! Pois as mesmas n5o apresentam os problemas da defasagem de linguagem I I porque os pais surdosj a estdo se "comunicando" em lingua de sinais com I os filhos surdos o mais precocemente possivel, esclarecendo todas as suas I curiosidades naturais. I I 0 s sujeitos surdos que tern acesso a lingua de sinais e participa~do da co- munidade surda tem maior seguransa, auto-estima e identidade sadia. Por isto 6 i importante que as criansas surdas convivam com pessoas surdas adultas em quem I I se identificarem e ter acesso as informaqbes e conhecimentos no seu cotidiano. Segundo Moura, Lodi e Harrison (apud LACERDA): I [...I a crianca (no contato corn rnodelos surdos adultos) ndo apenas tera I assegurada a aquisi~do e desenvolvirnento de linguagem, corno (tarnbem) l6 Para saber mais, ler livro: QUADROS, Ronice. Educa@o de surdos: a aquisi@o da linguagem, Porto Alegre: Artes Medicas, 1997. >' As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo a integracdo de um autoconceito positivo. Ela ter6 a possibilidade de de- senvolver sua identidade como urna representacdo de integridade, ndo como a de falta ou de deficiencia I...] podendo se perceber como capaz e passive1 de vir a ser. Ela ndo ter6 de ir atrh de urna identidade que ela nunca consegue alcancar: a de ouvinte. (2000, p. 68). A lingua de sinais k transmitida nas comunidades surdas e, apesar de por muito tempo na hist6ria dos surdos ter sofrido a repress50 exercida pelo oralismo, a lingua de sinais n5o foi extinta e continuou a ser transmitida, de geraq5o em geraq50, pelos povo surdo com muita forqa e garra. A lingua de sinais k urna lingua prioritaria do povo surdo que 6 expressa atraves da modalidade espacial-visual. A partir da decada de 1950 iniciaram-se estudos aprofundados sobre as linguas de sinais corno, por exemplo, o do americano Willian Stokoe (1965) e, no Brasil, os ouvintes pioneiros e depois vieram os pesquisado- res surdos; corno, por exemplo, os ouvintes Lucinda Ferreira Brito (1986), Ronice Quadros (1995; 2004), Tanya Felipe (2002) e Lodenir Karnopp (2004) e os surdos lingiiistas Ana Regina e Souza ~ a m ~ e l l o (2007) e Shirley Vilhalva (2007), que pro- porcionaram a valorizaq50 da lingua de sinais, dando-lhe status como urna lingua legitima do povo surdo. No mundo todo, ha, pelo menos, urna lingua de sinais com suas variaqbes regionais usada amplamente na comunidade surda de cada pais, diferente daquela da lingua falada utilizada na mesma area geografica. A lingua de sinais do Brasil n5o pode ser estudada tendo como base a lingua portuguesa, porque ela tem gramatica diferenciada, independente da lingua oral. Neste artefato lingiiistico do povo surdo, a lingua de sinais tambkm pode passar pelas mudanqas hist6ricas - com o passar do tempo, um sinal pode sofrer alteraq6es decorrentes dos costumes da geraq5o surda que o utiliza - percebemos tal qua1 com a citaq5o de Padden e Humphries (2000, p. 74): Lembramos dos artistas Surdos de hoje, os poetas e contadores de hist6- ria de nossa gera~do, e a forma de prazer que eles levam a um publico, porem tambem estava claro que desde 1940 a performance sinalizada havia mudado. [...I os artistas de hoje sdo muito mais auto-conscientes, o que chamoriamos de analiticos, sobre sua linguagem [. . . j . (Uma surda dando palestra em lingua de sinais) Tem alguns detalhes curiosos na forma de como o povo surdo se comunicam: no 6nibus os sujeitos surdos comunicam-se atravks de vidro - um sujeito em fora e outro dentro de 6nibus; nas cidades, em praqas ou nas praias, sujeitos surdos forasteiros que n5o se conhecem uns aos outros procuram um ponto de encontro - onde tem urna roda de sujeitos surdos conversando - para encontrarem seus semelhantes. Outro artefato cultural lingiiistico interessante 6 que estso difundindo um siste- ma de escrita para escrever a lingua de sinais. Este sistema k conhecido pel0 nome de Sign Writing - SW e foi um fato hist6rico importante para o povo surdo, pois, As imagens do outro sobre a cultura surda 0s artefatos culturais do povo surdo outrora, diziam que a lingua desse povo era Agrafa. Ent5o o Sign Writing foi iniciado quando os pesquisadores de lingua de sinais da Dinamarca, depararam-se com os sistemas de escrita de dancas da Valerie Sutton, no ano de 1974, e a partir dai evoluiram muitas pesquisas em outros paises que chegaram a algumas escolas de surdos no Brasil. A pesquisa desse sistema Sign Writing - SW - no Brasil foi desenvolvida pela doutora surda Marianne Stumpf junto com os outros, o primeiro contato que ela teve com este sistema foi no ano de 1996 e em 2005 defendeu a sua tese com este tema. Este sistema agora 4 conhecido no Brasil como ELS "Escrita em Lingua de Sinais" . (Um graduado de LetrasILibras fazendo prova em SW / polo UFSC) Hoje ja tem disciplina de ELS em alguns cursos de graduaeo nas varias Univer- I I I sidades Federais do Brasil, por exemplo, em curso de licenciatura de LetrasILibras I utilizam esta disciplina em quinze polos espalhados pelo Brasil e assim este sistema de escrita se multiplica e difundida em varias comunidades brasileiras. Mesmo a despeito de mais de um s6culo de proibiq5o de seu uso nas escolas de surdos, preconceito e marginalizaq50 por parte da sociedade como um todo, as linguas de sinais resistiram, demonstrando a necessidade essencial de sua utilizaq5o I I pelos povos surdos. 4.3 Artefato cultural^ familiar 0 nascimento de uma crianqa surda e um acontecimento alegre na existgncia I I para a maioria das famflias surdas, pois 6 uma ocorrgncia naturalmente benquista 1 pelo povo surdo que n5o vGem esta crianqa um "problema social" como ocorre I com as maiorias das famflias ouvintes. No entanto, os pais surdos ao levarem seus filhos surdos aos mkdicos e profis- i sionais da area e os mesmos os aconselham a n5o usarem a lingua de sinais alegando ~ que isto provocaria atraso na aquisiqso de lingua portuguesa, encorajando-os a I colocarem aparelhos nos seus filhos argumentando que ouvir som e aprender a falar 6 melhor do que nada, assim asseguram autores Lane, Hoffmeister e Bahan (1996, p. 30): S e os profssionais oferecem tais estranhos conselhos, enxergando a crian~a surda ncio como um presente de Deus, mas como um problema, entcio os pais surdos que estcio seguros na sua identidade cultural, reconhecendo que eles t6m mais experigncia e conhecimento e m criar crian~as surdas d o que os profissionais que os aconselham, ignoram tais informa~6es. Ressegurados que nada foi encontrado de errado com sua crian~a, que ela B simplesmente surda, voltam para casa e prosseguem com suas vidas, cercados de recursos d o "Mundo-Surdo", que oferece suporte, encoraja- mento, e os meios para existir e contribui como um membro integro da sociedade, no mundo, de forma ampla, bem como no "Mundo-Surdo". I Enquanto isto, nas famflias ouvintes, durante a gravidez, fantasiam que o filho 1 esperado e o mais bonito, perfeito, inteligente e ouvinte. Quando nasce um bebg, os 1 membros da familia brincam, conversam e vivenciam todo o a ~ o r sentido por ele. As imagens do outro sobre a cultura surda Quando o medico apresenta o diagnostic0 da surdez, os pais ficam chocados, deprimem-se e culpam-se por terem gerado um filho dito "nSo normal" e ficam frustrados porque v&em nele um sonho desfeito. EntSo, essas familias alimentam esperansas de "cura" dessa "defici&nciam, ficam ansiosas e questionam sera que o meu filho surdo um dia ouvira? Sera que um dia ele falara igual h criansa ouvinte? Sera que um dia ele sera mais bem aceito pela sociedade? Sera que um dia o meu filho tera uma vida "normal"? Como vemos, t&m muitos "seras", nSo existem certezas neste caso, o que sabe- mos e que geralmente a familia desta criansa surda nSo procurara a comunidade surda, como explica Lane (1992, p. 21), no caso da criansa surda: Apesar da crianca surda que foi sujeita ao implante n6o se mover facil- mente n o mundo ouvinte, e pouco prov6vel que o
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